domingo, 30 de maio de 2010

Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte VIII

Relações de proposições hipotéticas e disjuntivas


Proposição hipotética – afirma a dependência de uma a outra.
Conseqüente – depende da outra.
Antecedente – da qual a outra depende.
Proposição simples Proposição Hipotética
Relação de termos Relação de proposições
Relação entre S e P, sem limitação. Relação condicional, de limitação (uma espécie de juízo)

Antecedente lógico = razão
(Antecedente metafísico = causa)
“A existência do mundo é uma razão para crer em Deus, mas não causa de sua existência”.

Tipos de proposições hipotéticas
3 termos – Se S é M, então é P.
4 termos – Se B é C, então D é E.
Redução
Proposição Hipotética –> Proposição categórica + distorção de significado
Miriam explica que uma proposição hipotética genuína é aquela na qual a dependência entre a antecedente e a conseqüente não pode ser adequadamente expressa em forma categórica, ou aquela na qual tal dependência persiste.
  1. Se S é M, então P –> SM é P
  2. Se B é C, então D é E –> BC é DE

Características especiais

Veracidade/falsidade – depende do nexo com o real, pois ela formalmente só declara dependência.
Qualidade – sempre afirmativa, porque sempre afirma o nexo. As proposições separadamente podem ser negativas também. As que negam o neo são as contraditórias.


Proposições Disjuntivas – afirmam que de 2 ou mais suposições, 1 é verdadeira.

Tipos
  1. S é P ou Q ou R.
  2. S ou T ou U é P.
  3. B é C ou D é E.
Redução – proposição hipotética que negue uma alternativa e afirme outra.
“Ou o homem cometeu suicídio, ou alguém o assassinou”.
Redução: “Se este homem não cometeu suicídio, alguém o assassinou”.
(e pode haver uma nova redução, da hipotética para uma simples –> SM_P)
Características
  • Veracidade/falsidade – só é estritamente verdadeira se enumerar todas as possibilidades, ou seja, se as alternativas forem:
    1) mutuamente excludentes
    2) coletivamente exaustivas
  • Propósito – limitar a escolha de alternativas (se for uma verdadeira, qualquer outra será necessariamente falsa). (na lógica moderna, é chamada de disjuntiva exclusiva, pois aquela admite também a existência da disjuntiva inclusiva, na qual a disjuntiva será verdadeira se pelo menos uma disjunta for verdadeira)
  • Qualidade – sempre afirmativa, pois afirma uma séria de possibilidades. A proposição que nega uma disjuntiva não é uma disjuntiva porque nega a asserção mesma da relação.
A proposição hipotética e a disjuntiva são eficazes no teatro e nas narrativas. Shakespeare usou com freqüência a hipotética para enunciar uma questão importante.

Relações de proposições hipotéticas e disjuntivas

Praticamente as mesmas que as simples. Basta compreender bem a estrutura gramatical das frases por analogia, compreender-se-á o que vamos aqui tratar.
1) Conjunção
2) Oposição
  • Das proposições hipotéticas – pela variação da conseqüente, pode-se construir formas A E I O que difiram em qualidade/quantidade/modalidade.
    As formas modais são mais apropriadas aqui, transmitem melhor as relações.
  • Das proposições disjuntivas – também expressas tanto em quantitativas quanto em modais.



Edução de proposições hipotéticas


Todas as sete formas podem ser derivadas.
“Se e somente” ≈ sine qua non
Uma proposição hipotética sine qua non, tal como uma definição, é conversível simplesmente. É aquela na qual o conseqüente não se seguirá sem o antecedente.

Edução das proposições disjuntivas

Como acima, suas sete eduções podem ser derivadas em um processo contínuo de obversão e conversão alternada; a oitava operação retorna à original.

O silogismo hipotético
Puro – todas as 3 proposições hipotéticas
Misto – muito usado, contém uma proposição hipotética (a maior) e uma proposição simples (a menor).
1) A menor deve afirmar a antecedente – modus ponens (modo que afirma – construtivo – “se um homem não é honesto, não é funcionário público apto”, “este homem não é honesto”, “logo, este homem não é um funcionário público apto”) ou negar a conseqüente da maior – modus tollens (modo que nega – destrutivo).
2) Falácias:
— negar a antecedente;
— afirmar a conseqüente. “Se um homem beber veneno, ele morrerá”, “este homem morreu”, “ele deve ter bebido veneno”.
Se a proposição hipotética for sine qua non, não pode haver falácia.
O silogismo disjuntivo

Premissa maior (disjuntiva) + premissa menor (categórica simples que afirma ou nega uma das alternativas).
Ponendo tollens (afirmar a negativa) – menor afirma uma alternativa e a conclusão nega a outra (S é ou P ou Q. S é P);
Tollendo Ponens (negar a afirmativa) – menor nega uma alternativa e a conclusão afirma a outra.
Falácias: puramente formal apenas uma, bem rara. Tanto a menor quanto a conclusão afirmam e negam cada alternativa. Muito comum é a falácia de utilizar alternativas não-mutuamente exclusivas e também não-coletivamente exaustivas.
O dilema – silogismo que tem uma proposição disjuntiva como premissa menor, uma proposição hipotética composta como maior e uma proposição simples ou disjuntiva como conclusão.
  • Se a disjuntiva der 3 alternativas – trilema
  • Se der muitas alternativas – polilema
  • Construtivo – a menor deve afirmar as duas antecedentes da maior;
  • Destrutivo – a menor deve negar as duas conseqüentes.
    Construtivo simples –> construtivo complexo
    Destrutivo simples –> destrutivo complexo
  • Falácias
    1) Premissa maior falsa;
    2) Disjunção imperfeita na premissa menor;
    3) Falácia dilemática: mudança de ponto de vista.
    3 modos de desmascará-las:
    I – “Pegando o dilema pelos chifres” (dilema é o nome de um antigo silogismo “com dois chifres” – syllogismus cornutus) para a falácia 1) – atacar o nexo entre antecedente e conseqüente na premissa maior.
    II – “Escapando por entre os chifres” para o caso 2) – revelar uma alternativa não mencionada na disjuntiva.
    III – Refutando o dilema do caso 3) – uma condição pode ter 2 conseqüentes, e o dilema afirmar apenas uma (meia-verdade, otimista ou pessimista).
    Refutação formal – Aceitar as alternativas apresentadas pela premissa menor do dilema original, mas transpondo as conseqüentes da premissa maior em suas contrárias. Disso teremos uma conclusão exatamente oposto à do original. É um artifício retórico para revelar a fraqueza do oponente.
Importante: um dilema está aberto à refutação apenas quando houver espaço para uma mudança do ponto de vista real, e não apenas uma mudança de termos!
  • Dilema não aberto à refutação – “Eu devo cair ou dar na parede. Se eu cair, me machuco; se eu der na parede, me machuco. Em qualquer caso, me machucarei.”
  • Falsa refutação – “Se eu cair, escapo da parede. Se eu der na parede, escapo de cair. De qualquer jeito, não me machucarei”.
  • Todo dilema aberto à refutação é falacioso, mas este argumento acima é especialmente torpe.


Falácias – violações de princípios lógicos disfarçadas sob a aparência de validade. É um erro em andamento (a falsidade é um erro de fato). Classificar falácias é tentar encontrar causas comuns para os enganos.
  • Formais – já tratadas.
  • Materiais – raiz na matéria – nos termos, nas idéias e nos símbolos. Corrompem argumentos que podem estar formalmente corretos. Artifícios usados pelos sofistas em disputas orais, continuam em amplo uso.
    Aristóteles as agrupo em 2 classes:
    • Lingüísticas (in dictione) – suposição oculta, não transmitida pela linguagem. São ambigüidades na raiz gramática, que busca simbolizar a lógica. Podem todas ser consideradas falácia de quatro temos. Violam a forma e residem na matéria.
      • Equívoco (homonímia ou ambigüidade de termo) – uma palavra simboliza dois ou mais termos diferentes.
        Feathers are light. Light is the opposite of darkness. Feathers are the opposite of darkness”.
      • Anfibolia (solecismo) – ambigüidade de sintaxe ou estrutura gramatical. Mais provável de ocorrer em línguas não flexionadas, como o inglês. Gramaticalmente, é sempre um erro, mas ocasiona falácia lógica de 4 termos apenas quando a frase ambígua for uma premissa.
        Feed a cold and starve a fever”.
        “Ele disse a seu irmão que ele tinha ganhado o prêmio”. (quem ganhou?)
      • Composição (falsa conjunção) – propriedades das partes predicam ilicitamente o todo.
        “Sódio e Cloro são elementos tóxicos. Elementos tóxicos são nocivos. Cloreto de Sódio é nocivo”.
      • Divisão (falsa disjunção) – exato oposto da composição.
        “Nove mais sete é igual a dezesseis. Dezesseis é um número par. Nove e sete são números pares”.
        “Um único juiz da suprema corte determinou a constitucionalidade de uma lei votada por cinco a quatro”.
      • Acentuação (ênfase, prosódia) – um significado diferente do pretendido é transmitido através de ênfase especial em certas sílabas, palavras, idéias, citações fora do contexto, recursos gráficos, tipográficos, tonalidade, discurso propagandístico, etc. É o recurso da propaganda em geral – enfatizar fatos e minimizar/omitir outros deliberadamente.
      • Forma verbal (falsa forma de expressão) – suposição errônea de que a similaridade na forma da linguagem significa uma similaridade no significado.
        Inflammable e flammable significam a mesma coisa.
        John Stuart Mill comete uma falácia ridícula dessas ao dizer que “a única prova capaz de ser oferecida de que uma coisa seja visível é que as pessoas de fato a vejam (...) a única prova de que um som seja audível é o fato de que as pessoas o ouçam (...) igualmente, a única prova possível que se pode dar quanto a qualquer coisa ser desejável é que as pessoas de fato a desejem”. Visível, audível e desejável não possuem estrita analogia.
        “Aquele que dorme menos está mais sonolento. Aquele que está mais sonolento dorme mais. Aquele que dorme menos dorme mais”. O correto: “Aquele que dormiu menos dormirá mais.”
        — Uma falácia de forma verbal também ocorre se for feita uma transição ilícita de uma das 10 categorias do ser para uma outra.
    • Extralingüísticas (extra dictionem) – suposição oculta e falsa, não garantida pela linguagem.
      • Falsa equação do sujeito e do acidente (falácia do acidente) – falsa suposição de que tudo que for predicado de um sujeito será predicado de seu acidente e no mesmo sentido; ou que predicado de um termo será predicado do mesmo aspecto.
        Todo predicado (exceto numa definição ou numa proposição idêntica) é acidental com relação ao sujeito (per accidens). É um acidente que um animal seja um leão.
        Qualquer um dos três termos pode ser a fonte dessa falácia, mas o termo médio é o mais usual. “Comunicar conhecimento é louvável”. “Mexericar é comunicar conhecimento”. “Mexericar é louvável”.
        Segundo Aristóteles, a falácia do acidente ocorre quando qualquer coisa pertencente à substância de algo for também atribuída a algum acidente desta substância. “Peixe não é o mesmo que carne. Carne é alimento. Peixe não é alimento”. “Este cão é um pai. Este cão é seu. Este cão é seu pai”.
      • Falácia do equívoco Falácia do acidente
        Mudança de termos. Mudança no uso de um mesmo termo;
        mudança de planos de discurso, mudança da imposição do termo.
        Mudança de imposição – “Carregar é um verbo. Verbo é um substantivo. Carregar é um substantivo” – “verbo” muda da 1ª para a 2ª imposição. Mudança de intenção (sentido) – “Um leão é animal. Animal é um gênero. Um leão é um gênero” – “animal” muda da 1ª intenção para a 2ª. Os predicáveis são de 2ª intenção, pois, como predicados, fazem com que seus sujeitos sejam entendidos na 2ª intenção (como conceitos, entidades mentais), e os predicáveis mesmos podem ser tomados em ambas as intenções. “Jovial é uma propriedade. Propriedade é um predicável. Jovial é predicável.” – 1ª intenção na menor e 2ª intenção na maior. Mudança de imposição e intenção (comum em sorites) – “O homem é racional. Racional é uma diferença. Diferença é um polissílabo. Polissílabo é um substantivo. Logo, homem é um substantivo” – a conclusão é verdadeira e também o são as premissas separadamente. As conclusões implícitas que guiaram este raciocínio é que são completamente falaciosas (4 planos diferentes de discurso).
      • Confusão do relativo com o absoluto (a dictum secundum quid ad dictum simpliciter) – suposição de que uma proposição verdadeira em determinados aspectos, ou com determinadas qualificações, seja verdadeira absolutamente ou verdadeira sem tais qualificações. (secundum quid = segundo algo – o que é verdadeiro em um caso é presumivelmente verdadeiro em um outro). Falácia normalmente usada para enganar, pode também causar auto-engano. Resulta da aparente insignificância da diferença envolvida na qualificação.
        Como ferramenta de engano, consiste em:
        1) obter assentimento para uma declaração qualificada e prosseguir como se fosse tomada absolutamente, ou
        2) vice-versa, ou
        3) prosseguir a partir de uma declaração qualificada, num sentido diferente da origem.
        “Deus diz: ‘não matarás’. Logo, matar animais para alimento é errado”. “Sofrer a morte injustamente é preferível a sofrer a morte justamente. Portanto, aquilo que acontece injustamente é preferível ao que acontece justamente.”
        “Quem bebe, dorme bem. Quem dorme bem, não peca. Quem não peca, será abençoado. Portanto, quem bebe será abençoado”.
        —Thomas Blunderville, The Art of Logic (1599)
      • Falácia da ignorância do conseqüente – supor que uma proposição A seja conversível simplesmente, quando não é. Tal falácia estará sempre presente nos casos das seguintes falácias formais:


        Processo ilícito do termo maior ou menor.“Um homem é um animal. Búfalo não é um homem. Búfalo não é um animal”.
        Termo médio não distribuído.“Um homem é um animal. Búfalo é um animal. Búfalo é um homem”.
        Negação da antecedente.“Se chove, o solo fica molhado. Não choveu. O solo não está molhado.”
        — Afirmação da conseqüente. “Se chove, o solo fica molhado. O solo está molhado. Choveu”.
        Segundo Miriam, é um tipo de falácia extremamente comum (pois uma premissa é raramente uma definição ou uma proposição hipotética sine qua non). Muito provável a sua ocorrência em um entimema com premissa maior implícita. Esta falácia numa discussão pode dar a ilusão de que se refutou a conclusão de um oponente, quando na verdade só foram refutadas razões sem solidez. “Não é possível desmentir uma conclusão simplesmente mostrando que suas premissas são falsas”.
      • Falácia da ignorância do argumento (ignorância da questão, ignoratio elenchi) – falsa suposição de que um ponto em questão foi refutado ou desmentido, quando, na verdade, um outro ponto meramente semelhante é que o foi.
        • Ignoratio elenchi – ignorância da natureza da refutação. E, para refutar um oponente, é necessário provar o contraditório de sua declaração, e isto será feito apenas quando o mesmo predicado – não meramente o nome, mas a realidade – for negado acerca do mesmo sujeito e no mesmo aspecto, relação, maneira e tempo em que foi afirmado. Refutar “O presidente dos EUA governa o país inteiro” com “O presidente dos EUA não foi eleito pela maioria dos americanos” (nos EUA a autoridade para governar não vem da maioria), ou replicar a uma acusação de desonestidade alegando que muitos outros o são.
          Argumentum ad rem – argumento que lida com o ponto em questão (argumento que vai ao âmago, liga à coisa).
        • Argumentos esquivos (que se esquivam da questão):
          • Ad hominem – confunde o ponto em questão com as pessoas interessadas (alguns lógicos distinguem “ad hominem abusiva” e “ad hominem circunstancial”; este é o que tenta refutar um argumento ao evidenciar a identidade ou o interesse das pessoas que o sustentam). Busca persuadir através de um ethos não sólido e não confiante (ethos = na lógica, estabelecimento de quem fala ou escreve como alguém digno da discussão, os caracteres gerais do pensamento).
          • Ad populum – substituição do raciocínio lógico por um apelo às paixões e preconceitos do povo, das pessoas em geral.
          • Ad misericordiam – apelo por compreensão e compaixão. Muito usado por advogados ou para negar uma multa porque estava indo doar sangue.
          • Ad baculum – apelo à força ou à ameaça.
          • Ad ignorantiam – uso de um argumento que soa convincente aos outros porque estes ignoram a fraqueza do argumento. “Uma teoria é inválida porque não foi provada. Ninguém provou que Deus não existe. Portanto, ele não existe.”
          • Ad verecundiam (magister dixit) – apelo ao prestígio ou autoridade. “É perfeitamente legítimo acrescentar autoridade a um raciocínio, mas é falacioso substituir o raciocínio pela autoridade em assuntos capazes de ser entendidos pela razão”. Ex. O endosso que celebridades dão a produtos ou causas.
      • Causa falsa – quando algo acidental a uma coisa é empregado para determinar sua natureza, caráter ou valor. “Corridas de cavalo são nocivas porque algumas pessoas apostam dinheiros demais nos resultados”. A falácia indutiva post hoc ergo propter hoc é, por vezes, com alguma liberdade, identificada com a falácia dedutiva da causa falsa.



        Post hoc ergo propter hoc
        Suposição falsa sobre o ser ("o gato preto que causa queda na bolsa no dia seguinte").
        Causa falsa

        Suposição falsa acerca de uma razão.
      • Petição de princípio – presumir que a proposição a ser provada já esteja nas premissas. Uma tese não pode servir de fundamento à sua própria veracidade.
        • Argumento tautológico (repetição do mesmo sentido em palavras diferentes): “Shakespeare é famoso porque suas peças são conhecidas em todo o mundo”.
        • Argumento pendular (oscilante): “O rapaz é demente.” “Por quê?” “Porque matou a própria mãe”. “Por quê?” “Porque ele é demente!”
        • Argumento em círculo: “Este é o melhor filme da década.” “Por quê?” “Porque o New York Times diz que é.”  “E daí?” “O New York Times é o jornal mais respeitado nesta área”. “Por quê?” “Porque eles sempre escolhem os melhores filmes da década”.
        • Epíteto como petição de princípio (exemplo mais comum desta falácia) – Locução ou apenas uma palavra que supõe o ponto a ser provado. “Grandes corporações”. “Grande capital”, etc.
      • Pergunta complexa – similar à petição de princípio, pressupõe que uma parte daquilo que pertence totalmente à resposta está na pergunta feita. Ocorre quando, em resposta a uma pergunta composta, é exigida uma resposta simples. Interrogadores lançam mão seguido de tal falácia.


Na próxima parte do resumo do Trivium, o resumo da Indução e sua utilização na investigação científica.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte VII

Inferência analógica ou raciocínio por analogia

Inferência baseada na similitude. Sua conclusão pode ser apenas provável. Se for dada como certa, o argumento deixa de ser analógico.

Comum na poesia, na prosa literária e na científica (“corpo político”, “corpo místico”).
A analogia já levou a muitas descobertas da Ciência. Benjamin Franklin notou a similutde entre centelhas de uma máquina elétrica e os raios.

O valor de uma inferência analógica depende mais da importância das semelhanças do que do número delas.
Segundo Aristóteles, o raciocínio analógico é uma inferência não do todo lógico até suas partes (dedução), mas de parte a parte, quando ambas se classificam sob o mêsmo gênero (M), mas uma das duas (S¹) é por nós mais bem conhecida do que a outra (S²).

Oposição mediata – oposição entre 2 proposições que, juntas, contêm 3 termos, sendo um destes comum a ambas.
“A testemunha está mentindo”.
“A testemunha está dizendo a verdade”.
Ocorre muito em discussões e debates (mais do que a imediata) (a imediata oporia a 1ª proposição à sua contraditória: “a testemunha não está mentindo”).
Regras de oposição + regras de silogismo
Regras de validação
  1. O silogismo envolvido na relação de proposições opostas mediatamente deve ser formalmente válido;
  2. A 3ª proposição (Y), que serve para estabelecer a oposição mediata entre duas outras, deve ser materialmente verdadeira.
    Fálácias: ilícita, ilusória ou mera aparência de oposição mediata.

Relações de oposição mediata

— Contanto que a premissa maior seja matéria verdadeira, a menor e a contraditória da conclusão serão validamente opostas como contrárias mediatas genuínas, sendo que ambas não podem ser verdadeiras (mas ambas podem ser falsas).

— Contanto que a maior seja matéria verdadeira, a conclusão e a contraditória da menor serão validamente opostas como subcontrárias mediatas, e ambas não podem ser falsas (mas ambas podem ser verdadeiras).
A premissa maior é fundamental, pois é em virtude dela que as alegações estão opostas. Ela deve ser materialmente verdadeira.

A fonte de muitas falácias no uso diário da oposição mediata é a falsa suposição subentendida de que termos não comuns às proposições opostas mediatamente sejam termos mutuamente excludentes. P. ex.:
“Maria é formada em Direito”.
“Isso não é verdade; ela é formada em Filosofia”.
Apesar do silogismo ser válido, a proposição maior (“Quem quer que seja formado em filosofia não pode ser formado em Direito”) não é materialmente verdadeira.

Como ressalta Miriam, a plena consciência lógica desta oposição mediata evitaria muitas discussões fúteis no nosso cotidiano.



Utilidade ou valor do silogismo

Útil apenas quando for um meio para adquirir conhecimento, e não o próprio conhecimento em si.

John Stuart Mill e outros empiristas ingleses especialistas em lógica criticaram o silogismo, argumentando que a conclusão já está contida na premissa maior e tem de ser conhecida antes da premissa maior ser declarada. Portanto, o silogismo não representaria um avanço no conhecimento (System of Logic, 1843). (houve muito antes uma crítica ao silogismo tradicional, aristotélico, nos trabalhos do escolástico moderno português Francisco Sanches)

Mas Miriam apresenta uma refutação muito clara a este argumento, já presente no próprio Organon de Aristóteles: enquanto a crítica de Mill pode ser verdadeira com silogismos cujas premissas maiores sejam uma mera proposição empírica enumerativa, nunca é verdadeira quanto a silogismos cujas premissas maiores sejam proposições gerais, pois a veracidade de uma proposição geral não depende da investigação dos fatos individuais, porque é entendido em sua intensão (e não em sua extensão). Em outras palavras, os termos são entendidos por seus significados em vez de por suas aplicações.


Este último tipo de silogismo não toma a questão como provada, pois a conclusão (a proposição a ser provada) não está implícita em nenhuma das premissas separadamente, mas na sua conjunção. É uma experiência banal a de conhecer fatos, verdades, através de silogismos.


O silogismo (válido) como uma fórmula ou regra de inferência
  1. Se ambas as premissas forem verdadeiras, a conclusão necessariamente será verdadeira.
  2. Se a conclusão for falsa, pelo menos uma das premissas será necessariamente falsa.
  3. Se uma ou ambas as premissas forem falsas, o valor da conclusão é desconhecido (pela forma, não pela matéria).
  4. Se a conclusão for verdadeira, o valor das premissas é desconhecido (pela forma, não pela matéria).
  5. Se uma ou ambas as premissas forem prováveis, a conclusão só pode ser provável.
  6. Se a conclusão for provável, o valor das premissas é desconhecido (pela forma, não pela matéria).

Regras especiais das 4 figuras
    Figura II
    S_M
    P_M
    S_P
    1) Uma premissa precisa ser negativa (para distribuir M);
    2) A premissa maior precisa ser total ou necessária (para evitar um processo ilícito do termo maior).
    Modos válidos: AEE, EAE, IEO e OAO.

    Exceto quando uma premissa for uma definição, pode produzir apenas conclusões negativas. É apropriada à refutação.


    Figura I
    S_M
    M_P
    S_P
    1) A premissa menor precisa ser afirmativa (para evitar o processo ilícito do termo maior e a falácia das duas premissas negativas);
    2) A premissa maior precisa ser total ou necessária (para evitar um termo médio M não-distribuído).
    Modos válidos: AAA, AEE, IAI e IEO.

    Chamada de figura perfeita porque só ela é capaz de produzir uma proposição total/necessária como conclusão (o modo AAA é meta da Ciência, da Filosofia, de todo o conhecimento geral).

    Também assim chamada porque só nela é que o termo médio realmente está na posição média e natural – é a síntese natural dos termos. Representa o movimento espontâneo e natural do pensamento no raciocínio.

    Figura III
    M_S
    M_P
    S_P
    1) A premissa menor precisa ser afirmativa;
    2) A conclusão precisa ser parcial/contingente (o termo menor deve continuar nd na conclusão).
    Modos válidos: AAI, AII, IAI, AEO, AOO e IEO.

    Exceto quando uma premissa for uma definição, pode produzir apenas uma conclusão parcial/singular/contingente. É apropriada a provar exceções.

    Figura IV
    M_S
    P_M
    S_P
    1) Se a premissa maior for afirmativa, a menor precisa ser total/necessária;
    2) Se a menor for afirmativa, a conclusão precisa ser parcial/contingente;
    3)Se a conclusão for negativa, a maior precisa ser total/necessária.
    Modos válidos: AAI, EAE, AII, AEO e IEO.

    Premissas opostas às da Figura I. Muito artificial, dá à mente menos satisfação e menos senso de convicção.

    (Apesar de ser conhecida por Aristóteles e os lógicos da Renascença, esta figura não foi propriamente discutida, por ser muito instável – regras com “se’s”)


    Redução de silogismos


    Engenhosos exercício, mas, segundo Miriam, de pouca importância prática.
    Figuras II, III e IV –> Figura I (perfeita)

    Propósito:
    demonstrar a validade de uma figura imperfeita pela validade na figura perfeita.
    Suposições 1) as premissas da figura imperfeita são verdadeiras tal como dadas.
    2) a primeira figura é formalmente válida.
    Há um engenhoso artifício mnemônico medieval que enumera os 19 modos válidos das quatro figuras (11 + as duplicatas), indicando os métodos para redução:
    Barbara, Celarent, Darii, Ferio que prioris
    Cesare, Camestres, Festino, Baroco secundae
    Tertia, Darapti, Disamis, Datisi, Felapton
    Bocardo, Ferison, habet; Quarta in super addit
    Bramantip, Camenes, Dimaris, Fesapo, Fresison

    — Vogais indicam o modo na ordem tradicional à maior, menor, conclusão;
    — B, C, D, F indicam a qual modo correspondente da figura I serão reduzidos os modos das outras figuras;
    — S (Simpliciter) significa que a proposição indicada pela vogal precedente será convertida de forma simples;
    — P (Per accidens) significa que a proposição indicada pela vogal precedente precisa ser convertida por limitação (A em I – I em A – Bramantip em Barbara);
    — M (Muta) significa que as premissas devem ser transpostas;
    — C (Per contradictoriam propositionem) significa que a redução será indireta, por refutação de uma conclusão contraditória num silogismo da figura I;
    — R, b, L, N, T, d nada significam.
    Exemplo: redução de Camestres a Celarent: (a a b)
    a Todos os círculos são curvilíneos. P a M m – transpor as premissas
    Nenhum quadrado é curvilíneo. S e M s – converter simplesmente
    Nenhum quadrado é um círculo. S a P s – converter simplesmente
    b Nenhuma figura curvilínea é um quadrado. M e P
    Todos os círculos são curvilíneos. S a M
    Nenhum círculo é um quadrado. S e P


    Na próxima parte, o resumo dos silogismos disjuntivo e hipotético e das falácias.

    domingo, 23 de maio de 2010

    Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte VI

    Frases e proposições

    Símbolos gramaticais e proposições

    Proposição = frase declarativa. (frases não-declarativas, como ordens, preces, desejos, perguntas ou exclamações não podem simbolizar proposição porque não são verdadeiras nem falsas, expressam volição e não cognição – possuem status gramático, não lógico)
    Essências impossíveis não representam termos, por isso uma frase como “um círculo quadrado é uma figura curvilínea” nem proposição é, pois só dispõe de um termo – não é nem falsa nem verdadeira. “Astronautas em Marte vivem em construções subterrâneas” é uma afirmação de caráter empírico, mas que não contém um sujeito existente no passado ou no presente. “Astronautas podem vir a viver em Marte” já é uma proposição modal empírica verdadeira enquanto possibilidade. Como explica Miriam:
    “Uma frase que simboliza uma proposição pode ser ambígua, mas uma proposição não pode ser ambígua, porque o significado, o juízo que a mente pretende expressar precisa ser um, isto é, unívoco”.
    Quando a proposição for idêntica na mente de receptor e emissor, há entendimento.
    A tradução é uma tentativa de expressar uma proposição com símbolos de outra língua. Por isso que a poesia é complicadíssima, porque não só a tradução deve lidar com o conteúdo lógico, mas com o psicológico, que é próprio de cada palavra em cada língua. A retórica é que nos guia na escolha dos símbolos.

    Conteúdo proposicional e símbolos gramaticais

    Frase Declarativa
    • Simples
      • Uma proposição simples
      • Duas ou mais proposições simples – “Este menino alto e bonito é excepcionalmente inteligente” – 4 proposições simples: “este menino é alto”, “este menino é bonito”, “este menino é inteligente” e “sua inteligência é excepcional”.
      • Uma proposição disjuntiva
    • Complexa
      • Uma proposição simples – “O gato amarelo que ontem perambulava por nossa garagem foi atropelado”, oração definitiva, pois chama a atenção para um gato em particular. “Aquele homem alto, de olhos e cabelos castanhos, com um pequeno bigode e de pé ao microfone, é um francês.” – uma só proposição, pois os modificadores são definitivos. “Charles De Gaulle, que é um francês alto, de olhos e cabelos castanhos, e que tem um pequeno bigode, estava de pé ao microfone.” – sete proposições, porque os modificadores são atributivos.
      • Duas ou mais proposições simples
      • Uma hipotética
      • Um silogismo
    • Composta
      • Duas ou mais proposições simples – “os salários são altos, mas os preços também são”.
      • Uma disjuntiva – “ou o trem está atrasado ou nós o perdemos”.
    • Menos que uma frase – pode simbolizar uma proposição simples. “Fogo” = “Irrompeu fogo!” – afirma uma verdade ou falsidade. “Fogo!” = “Atire!” – ordem, não proposição.
    Frases declarativas e gramaticalmente completas mas que violem regras que regem nomes comuns e descrições gerais ou nomes próprios e descrições empíricas não simbolizam proposição alguma.


    Relações Proposicionais Simples

    Desde os tempos de Aristóteles se reconhece que tanto a lógica quanto a retórica têm em comum a invenção e a disposição.

    Disposição

    Lógica

    Retórica
    Definição Introdução
    Divisão Corpo
    Enquadramento Conclusão
    Relação (unidade, coerência e ênfase)

    (sujeito x adjuntos ≠ substância x acidentes
    “o homem andava lentamente” – “homem” é sujeito do adjunto andava, e andava é sujeito do adjunto lento)

    Cícero simplificou o tratamento aristotélico: 16 tópicos lógicos capazes de amplificar o sujeito pela análise:
    • Definição
    • Divisão do todo em partes (lógico/físico)
    • Gênero
    • Espécie
    • Adjuntos (de um sujeito – suas categorias acidentais)
    • Contrários
    • Contraditórios
    • Similaridade
    • Dissimilaridade
    • Comparação (maior, igual, menor)
    • Causa
    • Efeito
    • Antecedente
    • Conseqüente
    • Notação (o nome)
    • Conjugados (“justo”, “justiça”, “justamente”)
    • 17º tópico – Testemunho (prova) – externo ao sujeito investigativo e inclui todos os recursos à autoridade, como leis, contratos, testemunhos, provérbios, apotegmas, juramentos, penhor, compromisso, profecias, revelações, etc.
    Tópicos retóricos – mais específicos:
    • Tempo
    • Lugar
    • Pessoas
    • Circunstâncias

    Relações Proposicionais

    • Materiais
      • Conjunção – mera junção de proposições
        • Implícita – “o grande lago banhado pelo Sol é tranqüilo” (3 proposições)
        • Explícita – “o telefone tocou e João atendeu” (2 proposições)
        • Não elaborada (simples) – viola a unidade retórica da frase, o parágrafo e toda a composição. Junta proposições que não têm relação em pensamento. “O Internacional foi campeão e amanhã irei ao cinema”.
        • Material – une proposições com relação real ou lógica.
        • Regras
          1.Verdadeiras apenas quando toda proposição associada for verdadeira.
          2.Falsas quando qualquer proposição associada for falsa.
          3.Prováveis se pelo menos uma proposição associada for provável e se nenhuma for falsa. (quando duas ou mais proposições forem prováveis, sua conjunção torna-se menos provável – probable – e mais verossímil – likely (senso comum))
    • Formais
      • Imediatas
        • Oposição – mesma matéria (mesmo sujeito e predicado), mas formas diferentes (qualidade, quantidade, modalidade – A E I O)
          • Contraditórias – A e O; E e I – não há meio-termo. Das proposições contraditórias, uma deve ser verdadeira e a outra necessariamente falsa.
          • Contrárias – A e E – existe um meio-termo. Das proposições contrárias, não podem ser ambas verdadeiras, mas ambas podem ser falsas (uma falácia comom é tomar uma proposição implicitamente como verdadeira por esta ser contrária à falsa – o certo é dizer que não se sabe).
          • Subcontrárias – I e O – diferem na qualidade e são parciais em quantidade, ou contingentes em modalidade. Das proposições subcontrárias, não podem ser falsas ambas, mas ambas podem ser verdadeiras (se uma é falsa, a outra com certeza é verdadeira. Se não, não se sabe ainda.)
          • Subalternas – A e I; E e O – mesma qualidade mas diferem pela parcialidade ou contingência (não é propriamente uma oposição, mas tradicionalmente se trata assim). Das subalternas, se a proposição total (ou necessária) for verdadeira, a parcial (ou contingente) é necessariamente verdadeira; mas se aquela é sabidamente falsa, o valor da última é desconhecido.
            Nas formas categóricas, a oposição de empíricas singulares é restrita à contradição, e esta se dá somente através de uma diferença qualitativa. “Maria é alta. Maria não é alta”.
            Nas formas modais, a oposição de empíricas singulares inclui todas as relações:
            A – Maria é necessariamente amável.
            E – Maria não pode ser amável.
            I – Maria pode ser amável.
            O – Maria pode não ser amável.
            Ilustração das oposições:
          • clip_image001









          •  

          • 1) Se E for verdadeira, então I é falsa;
            2) Se E for verdadeira, então A é falsa; 3) Se E for verdadeira, então O é verdadeira.
        • Edução – processo formal de tornar explícito tudo o que está implícito numa dada proposição. “Através da edução, nós, por assim dizer, viramos uma proposição do avesso e de cima para baixo até termos explorado todo o seu conteúdo”.
          Obversão + Conversão = 7 formas edutivas (de uma proposição total-geral) ou um número menor (de uma parcial-contingente)
          • Obversão – virar uma proposição “ao contrário”.
            1) mudar a qualidade (determinada pela cópula);
            2) substituir o predicado (P) pelo seu contraditório (P’).
            Miriam alerta para termos cuidado com a obversão ilícita – o contraditório de “alimento salgado” não é “alimento não-salgado”, mas “não-alimento salgado” (o contraditório divide todo o ser e não só o gênero).
            S a P –> S e P’
            “Todo eleitor é cidadão” –>   “Nenhum eleitor é não-cidadão”.
            • Litotes – figura de retórica muito usada na literatura inglesa, é uma aplicação de obversão.
              “Eu não fui malsucedido naquela empreitada”
              Adam observed, and with his eye the chase pursuing, not unmoved to eve thus spake” — John Milton, Paradise Lost
              I have no hope that he’s undrown’d.” — Shakespeare, The Tempest
          • Conversão
            1) Inverter o sujeito e o predicado.
            2) Se necessário, e para evitar um processo ilícito, alterar a quantidade (ou modalidade) e, por meio disso, converter por limitação ou per accidens.
            3) Não alterar a qualidade (determinada pela cópula).
            (Processo ilícito – tentar obter mais de uma proposição do que nela há, usando um termo na sua extensão plena quando na proposição original o uso foi apenas em parte de sua extensão. É um dos erros mais comuns na mente humana).
            4) Nem toda proposição pode ser convertida

            clip_image002 Conversão ilícita
            (o sentido da seta acusa)
            (é o teste da definição e propriedade que indica se esses predicados são conversíveis em sujeito)
            S o P não pode ser convertida de maneira alguma, pois o S antes não-distribuído torna-se um P distribuído (ilícito). (com freqüência, é claro, tal conversão permanece verdadeira materialmente, mas não formalmente. “Algumas rosas não são vermelhas.” –>  “Algumas coisas vermelhas não são rosas.)
            S a P pode ser convertida por limitação (produzindo a quantidade ou a modalidade). “Todos os leões são animais” –>  “Alguns animais são leões.”
    Formas edutivas de S a P
    Processo Proposição original S a P Todos os eleitores são cidadãos.
    Obversão Obversa S e P’ Nenhum eleitor é não-cidadão.
    Conversão Contrapositiva parcial P’ e S Nenhum não-cidadão é eleitor.
    Obversão Contrapositiva total P’ a S’ Todos os não-cidadãos são não-eleitores.
    Conversão Inversa total S’ i P’ Alguns não-eleitores são não-cidadãos.
    Obversão Inversa parcial S’ o P Alguns não-eleitores não são cidadãos.
    Conversão Convertida P i S Alguns cidadãos são eleitores.
    Obversão Convertida obversa P o S’ Alguns cidadãos não são não-eleitores.
    Miriam mostra diversos outros exemplos, e arremata:
    “Que P é a definição, ou uma propriedade, de S só pode ser sabido pela matéria. Quando tal ocorre, então S a P é corretamente conversível em P a S por toda a série (pois ambos estão em extensão total, distribuídos).”
        • Eduções suplementares
          1) por determinantes adicionados (modificadores atributivos)
          S é P –> Sa é Pa
          *Válido somente se o determinante adicionado afetar S e P no mesmo grau e no mesmo aspecto.
          “Uma formiga é um animal”
          “Uma formiga grande é um animal grande”
          “Uma formiga pequena é um animal pequeno”
          2) por determinantes omitidos
          S é Pa –> S é P
          “Sócrates é um animal racional”
          “Sócrates é um animal”
          3) por relação conversa
          S r¹ P –> P r² S (r¹ e r² = cópulas com modificadores correlativos. Gênero e espécie também. Verbo passa da forma ativa para a forma passiva. Orações subordinadas e subordinantes, analogicamente falando)
    • Mediata
      • Silogismo – o silogismo é o ato de raciocínio pelo qual a mente percebe que, de uma relação de duas proposições (premissas) onde há um termo em comum, necessariamente emergirá uma nova e terceira proposição (conclusão), na qual não aparece o termo comum (termo médio).
        O termo médio aparece nas duas premissas. Cada premissa aparece em si mesma e na conclusão.
        (Uma proposição só se torna uma premissa ao ser conjugada a uma outra proposição que com ela tenha um termo em comum).
        Assim, o silogismo é um avanço no entendimento partido de uma conjunção de premissas. É a fórmula do raciocínio por excelência. Um silogismo ou é válido (veracidade e falsidade interdependentes) ou é inválido (conclusão não parte das premissas)
      • Matéria e forma do silogismo
        • Matéria – termos menor, maior e médio. Começa-se analisando um silogismo pela conclusão.

          S = sujeito da conclusão – termo menor.
          P = predicado da conclusão – termo maior.

          Conclusão –> S (a/e/i/o) P       

          “Um morcego (S) é um mamífero (M)”.
          “Nenhum pássaro (P) é um mamífero (M)”
        • * Forma – necessidade lógica com que a conclusão decorre das premissas em virtude de sua relação válida obtida pela combinação de figura e modo.

          Dictum de omni et nullo
          princípio do raciocínio silogístico.
          O que quer que se afirme de um todo lógico, deve, necessariamente, ser afirmado das partes desse todo; o mesmo para a negação. (princípio da não-contradição)

          P –> M –> S
          (Pássaro é negado de mamífero, o termo médio e, portanto, é negado de morcego, que está incluso em mamífero)

          O termo médio é um termo mediador que, tendo servido nas premissas como meio de comparação, é deixado de fora da conclusão.
          Regras
          • Matéria
            1.Um silogismo deve conter apenas 3 termos (violação: falácia do quarto termo).
            2.Um silogismo deve conter apenas 3 proposições (violação: falácia da quarta proposição).
          • Distribuição
            3.O termo médio deve estar distribuído em pelo menos 1 premissa (falácia do termo médio não-distribuído).
            4.Um termo não pode passar de nd para d na conclusão (processo ilícito).
          • Qualidade
            5.De duas premissas negativas, não procede conclusão alguma (pelo menos uma deve se relacionar com o termo médio).
            6.Se uma premissa for negativa, a conclusão será negativa (falácia conclusão negativa sem premissa negativa).
          • Quantidade
            7.Se uma premissa for parcial, a conclusão será parcial.
          • Modalidade
            8.Se uma premissas for contingente, a conclusão será contingente.
          • Quantidade e Modalidade
            9.De duas premissas parciais/singulares/contingentes não procede conclusão alguma.
          • Realidade/essência/indivíduo
          • 10.Se uma premissa for pelo menos empírica, a conclusão será empírica.
        • Modos – designado por A E I O dispostos em determinada ordem. Das 16 combinações possíveis entre premissas, as regras acima mostradas excluem metade, restando oito válidas (S, P, M):
          AAA (AAI para evitar falácia)
          AEE (AEO para evitar falácia)
          AII
          AOO
          EAE (EAO para evitar falácia)
          IAI
          IEO
          OAO
        • Figuras – determinadas pela posição (se ele é predicado ou sujeito) do termo médio nas premissas.

          Figura+modo = forma do silogismo (necessidade lógica)


          Figura I Figura II Figura III Figura IV
          S__M S__M M__S M__S
          M__P P__M M__P P__M
          S__P S__P S__P S__P

          Testando a validade de um silogismo:
          Regras gerais de distribuição.
          1)Encontre a conclusão e escreva “S” acima do sujeito e “P” acima do predicado.
          2) Faça os mesmos nas premissas.
          3) Escreva “M” acima do termo médio em ambas as premissas.
          4) Determine o modo e a figura.
          5) Marque a distribuição dos termos.
          6) Teste para ver se há duas premissas negativas ou qualquer daquelas falácias.
          7) Escreva “válida” ou “inválida” e nomeie a falácia.
        • Entimema – silogismo logicamente abreviado pela omissão de uma proposição contém três termos que podem ser expandidos num silogismo completo.
          Há diferenças entre um entimema e um silogismo:
        • Entimema Silogismo
          (abreviação lógica) (abreviação gramática)
          “Um carvalho é uma
          planta porque é uma árvore”
          “Escalar os alpes é um empreendimento fascinante, mas perigoso. Portanto, alguns empreendimentos fascinantes são perigosos”.
        • Regras para avaliar um entimema
          • Encontre a conclusão observando que:
            1) “Desde que”, “porque”, “uma vez que” ou “visto que” (eu incluiria também “dado que”) iniciam uma premissa; portanto, a outra proposição é a conclusão.
            2) Portanto, conseqüentemente, “assim”, “logo”, etc. iniciam a conclusão.
            3) “É” ou “mas” ligam as duas premissas e indicam que a proposição omitida é a conclusão.
          • Indique o sujeito e o predicado da conclusão. Um desses termos aparecerá associado ao termo médio M na outra proposição dada (se o entimema for usual).
          • Assinale ambos os termos na premissa dada.
          • Substitua os substantivos pelos pronomes correspondentes.
          • Como não há regra lógica ou gramatical para determinar as posições dos termos na proposição faltante, valem quaisquer das duas maneiras de declará-la (2 expansões possíveis, 2 figuras diferentes).
            I – se um entimema é valido em uma expansão, é válido, a despeito de ser ou não válido na outra expansão.
            II – se é considerado inválido na 1ª expansão, é necessário expandi-lo na figura recíproca para conferir.
        • Mais uma vez, importantíssima ressaltar: analisar um silogismo formalmente não envolve análise de veracidade ou falsidade das premissas.
          É possível ter um silogismo formalmente válido com premissas falsas e uma conclusão verdadeira, ou com premissas falsas e uma conclusão falsa, mas nunca com premissas verdadeiras e uma conclusão falsa.
          A importância do entimema – Miriam dá tanta consideração ao entimema em função de sua grande importância prática.
          — É frequente a aceitação de um entimema sem a análise apurada de suas proposições implícitas (geralmente uma premissa maior).
          — O entimema é a forma de raciocínio mais constante em nossas vidas. A lógica é realmente prática quando usada em nossa vida diária.
          — Usado extensivamente na exposição e no debate.
        • Sorites – cadeia de entimemas ou silogismos abreviados na qual a conclusão de um silogismo se torna a premissa do seguinte. É um polissilogismo no qual cada conclusão está subentendida, exceto a última, que se torna explícita.
          2 tipos:
          conclusão de um silogismo –> premissa maior do próximo
          conclusão de um silogismo –> premissa menor do próximo
          Ainda que seja possível construir sorites válidos em cada uma das 4 figuras e combinar silogismos de diferentes figuras, consideram-se aqui somente os 2 tipos tradicionais (provavelmente as 2 únicas formas que usemos de fato):
          • Sorites Aristotélico – 1ª proposição é a premissa menor do silogismo e todas as outras restantes são premissas maiores, exceto a última, que é uma conclusão; a conclusão omitida em cada silogismo se torna a premissa menor do seguinte.
            1) só a última premissa pode ser negativa (ou o termo maior passará por um processo ilícito);
            2) só a primeira premissa (a menor) pode ser parcial/contingente/singular.
          • Sorites Gocleniano (progressivos – Rudolf Goclenius, 1547-1628) – 1ª proposição é a premissa maior do seu silogismo, e todas as restantes são premissas menores, exceto a última, que é uma conclusão; a conclusão omitida em cada silogismo se torna a premissa maior do silogismo seguinte.
            1) só a primeira premissa pode ser negativa (ou o termo maior passará por um processo ilícito);
            2) só a última premissa (a menor) poderá ser parcial/contingente/singular (as outras são maiores e devem ser totais ou necessárias na figura I).
            O Sorites Aristotélico é mais importante do que o Gocleniano, pois representa um movimento mais natural da mente e é mais freqüentemente usado.
        • Epiquerema – tal como o sorites, é um polissilogismo abreviado, mas é formalmente limitado. Combina figuras quaisquer e de cujas premissas ao menos uma é um entimema.
          • Epiquerema simples – um entimema.
          • Epiquerema duplo – dois entimemas. É um argumento em cinco partes, uma forma particularmente admirada e muito usada por Cícero em seus discursos. 1.Premissa maior;
            2.Prova da maior;
            3.Premissa menor;
            4.Prova da menor;
            5.Conclusão.
            (conclusão 1 + conclusão 2 –> conclusão 3)
        • De um Sorites a um Epiquerema
          Todo sorites que não exceda 5 proposições pode ser transformado em um epiquerema duplo.
          “Sócrates (S) é um animal (M²) porque ele (S) é um homem (M¹).”
          “Um animal (M²) é um corpo (P) porque ele (M²) é um organismo (M³).”
          “Sócrates (S) é um corpo (P).”


          S a M¹ M² a M³
          M¹ a M² M³ a P
          S a M² M² a P
          S a M²
          M² a P
          S a P
          — A conclusão do 1º silogismo se torna a premissa menor do último;
          — A conclusão do 2º se torna a maior.




    Relação formal Relação material
    Pode ser formalmente correta/incorreta. Pode ser verdadeira, falsa ou provável.
    A veracidade/falsidade das proposições é interdependente. Se o valor de uma é conhecido, o de outras pode ser determinado (sem qualquer conhecimento material). Sua veracidade/falsidade depende da veracidade/falsidade de cada uma das proposições.
    Mantém-se apenas entre proposições que tenham certas formas. Mantém-se sob quaisquer configurações.
    Fórmula, equação algébrica. Equação aritmética.


    Na próxima parte deste resumo, um maior aprofundamento da lógica.

    sábado, 22 de maio de 2010

    Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte V

    Frases não-declarativas – expressam volição.
    Frases declarativas – expressam cognição à proposições

    Proposições e sua expressão gramatical
    A proposição afirma uma relação de termos.

    triv8

    Modo: maneira pela qual os termos se relacionam.

    Proposição Modal – afirma o modo.

    • Necessária – o que a realidade deve ser.
    • Contingente – o que a realidade poderia ser.

    Proposição Categórica – não afirma modo (cópula ambígua), mas afirma com um fato o que a realidade é.

    • modo indicativo da cópula –> relação categórica
    • modo potencial da cópula –> relações contingentes

    Necessidade metafísica – quando o contrário é inconcebível, contraditório. Segundo Miriam, “a necessidade metafísica é tal que nem mesmo Deus pode fazê-la diferente. Deus é a fonte da ordem, não da desordem e confusão. Ser incapaz de fazer o que é contraditório não é uma limitação de sua onipotência, não é uma imperfeição, mas perfeição”.
    Necessidade física
    – repousa sobre as leis da natureza, e estas Deus pode suspender (os milagres).
    Necessidade moral – necessidade normativa sobre um agente livre. Por causa do livre-arbítrio, os humanos podem quebrar essass leis, embora elas permaneçam existindo.
    Necessidade lógica – predicáveis (explicação mais adiante).


    Proposição Simples

    – afirma a relação de dois termos.

    Relação = fato –> categórica.
    Toda proposição categórica é simples, mas nem toda simples é categórica.

    Relação necessária ou contingente –> modal.

    Proposição Complexa três ou mais termos.

    • Hipotética – afirma uma dependência entre proposições. “Se ele (1) não estudar (2), será reprovado (3)”. (no português, pode haver hipotética simples)
    • Disjuntiva – afirma que de duas ou mais suposições, uma é verdadeira. “Um triângulo (1) é eqüilátero (2), isósceles (3) ou escaleno (4)”.

    Característica das Proposições

    • Quanto à realidade
      • Geral – sujeito é um termo geral, referente a uma essência e simbolizado por um nome comum ou descrição geral.
      • Empírica – sujeito é termo empírico, referente a um indivíduo ou a um agregado e simbolizado por um nome próprio ou descrição empírica.
    • Quanto à quantidade
      • Total – sujeito na sua completa extensão. (o sujeito de uma geral é usado em sua extensão total, pois é uma essência, uma natureza de classe) (um coelho é um animal = todos os coelhos são animais)
        Nesse sentido, uma proposição empírica singular é usada em sua extensão completa, porque seu sujeito é um indivíduo. Quantidade no sentido estrito é própria apenas das proposições empíricas plurais. “Todos os membros deste clube são adultos”, “Doze cavalos participam da corrida”.
      • Parcial – sujeito apenas parte da extensão. “Alguns” e outras palavras limitantes. Quando uma geral ou empírica singular é contingente na modalidade, o sujeito é usado em apenas parte de sua extensão. “Um retângulo pode não ser um quadrado”, “João pode não estar triste”.
    • Quanto à qualidade (cópula)
      • Afirmativa – inclui o sujeito (todo ou parte) no predicado.
      • Negativa – exclui o predicado (todo) do sujeito.
    • Quanto à modalidade (cópula)
      • Necessária
      • Contingente
    • Quanto ao valor – conhecido pela investigação, pela experiência ou por um apelo de fatos – é sintético.
      • Verdadeira (proposição empírica –> investigação de casos individuais proposição geral –> análise dos termos (analítica), insight intelectual, razão) (“o que quer que seja verdadeiro ou falso deve ser proposição”)
        • Metafisicamente – conformidade de algo com sua idéia, primeiro na mente de Deus, depois na dos homens. “Todo ser tem verdade metafísica”. O oposto é o nada, o não-ser puro.
        • Logicamente – conformidade do pensamento à realidade. O oposto é a falsidade.
        • Moralmente – conformidade da expressão do pensamento. O oposto é a mentira.


    Formas proposicionais: formas A, E, I, O

    S = sujeito / P = predicado

    A e I – affirmo
    E e O – nego

    Formas A E I O quantitativas (as proposições são categóricas)

    A

    Totalmente afirmativa

    S a P

    Todo S é P

    Todos os leões são animais.

    E

    Totalmente negativa

    S e P

    Nenhum S é P

    Nenhum leão é cavalo.

    I

    Parcialmente afirmativa

    S i P

    Algum S é P

    Alguns leões são mansos.

    O

    Parcialmente negativa

    S o P

    Algum S não é P

    Alguns leões não são mansos.


    Formas A E I O modais
    (as proposições são modais)

    A

    Necessariamente afirmativa

    S a P

    S precisa ser P

    Um leão precisa ser um animal.

    E

    Necessariamente negativa

    S e P

    S não pode ser P

    Um leão não pode ser um cavalo.

    I

    Contingentemente afirmativa

    S i P

    S pode ser P

    Um leão pode ser manso.

    O

    Contingentemente negativa

    S o P

    S pode não ser P

    Um leão pode não ser manso.

    A quantidade é determinada pelo sujeito (pela matéria).
    A modalidade e a qualidade são determinadas pela cópula (pela forma).
    (As formas quantitativas normalmente são mais convenientes e mais usadas, pois tendemos mais a usar proposições categóricas)


    Distribuição dos termos

    Distribuído – termo em sua extensão completa.
    Não-distribuído – termo em extensão menor que a completa.

    Regras formas de distribuição

    Quantidade ou modalidade – determina distribuição do sujeito.
    Qualidade – determina a distribuição do predicado.

    1. Proposição total (ou necessária) –> sujeito distribuído.
    2. Proposição parcial (ou contingente) –> sujeito não-distribuído.
    3. Proposição negativa –> predicado distribuído (porque este se exclui todo do sujeito)
    4. Proposição afirmativa –> predicado não-distribuído (porque o predicado é normalmente um termo mais amplo em extensão do que o sujeito; exceto quando for uma definição, pois: 1) uma definição é sempre uma proposição A – afirmativa necessária – e, portanto, o sujeito é distribuído através da forma; e 2) o predicado, como definição do sujeito, tem não apenas a mesma intensão, mas também a mesma extensão do sujeito – completa. Distributivo através da matéria. A conversão é o teste da distribuição.)


    Aplicando as regras às formas A E I O

    Distribuição – importante conceito na lógica

    d = distribuído
    nd = não-distribuído

    1. S (d) a P (nd) – Todos os leões são animais.

    2. S (d) a P (d) – Nenhum leão é cavalo.

    3. S (nd) a P (nd) – Alguns leões são cavalos.

    4. S (nd) a P (d) – Alguns leões não são mansos.

    Os círculos de Euler (Leonhard Euler, 1707-1783, matemático suíço)

    A


    clip_image001

    Total inclusão de S em P.
    S é distribuído e P é não-distribuído.

    A


    clip_image002


    Total inclusão. P distribuído através da matéria e não da forma.
    Só quando P é definição ou propriedade de S.

    E


    clip_image003


    P totalmente excluído de S.
    Ambos distribuídos.

    I


    clip_image004


    Inclusão parcial de S em parte de P.
    Nenhum distribuído.

    O


    clip_image005


    Exclusão de todo P de parte de S.
    S não-distribuído, P distribuído.


    Predicáveis

    – a mais completa classificação das relações proposicionais. (tanto quanto as categorias são a mais completa classificação do ser-tal-como-é – metafísica – e do ser-tal-como-é-conhecido – lógica.
    • Espécie – expressa o que membros individuais têm em comum.
    • Gênero – parte da essência comum a todos as suas espécies constituintes.
    • Diferença – parte da essência que pertence apenas a uma dada espécie e que a distingue de todas as outras no mesmo gênero.
    • Definição – gênero + diferença – torna explícita a essência da espécie que se apresenta como seu sujeito, e, portanto, coincide perfeitamente com o sujeito (na intensão e na extensão).
    • Propriedade – não é essência nem parte dela, mas flui da essência e está presente onde quer que esteja a essência (concomitante necessário) (coincide perfeitamente com o sujeito em extensão.
    • Acidente – predicado contingente ao sujeito. Contingência explícita ou implícita. Acidente predicável ≠ acidente predicamental (acidente metafísico = as 9 categorias)

      “O homem é racional”.
      Predicável = diferença
      Categoria = acidente (qualidade)

      “O homem é jovial”.
      Predicável = propriedade
      Categoria = acidente (qualidade)

      “O homem é animal”
      Predicável = gênero
      Categoria = substância

      Acidente inseparável = predicado contingente
      Propriedade = predicado necessário
      (um corvo é sempre preto, mas a “pretura” não é, por isso, predicado necessário)
      (por anos se achou que “brancura” fosse um predicado necessário de cisnes, até que foram descobertos cisnes negros na Austrália)


    O número de predicáveis

    5 classificam os predicados de uma proposição afirmativa geral (Aristóteles).
    1 aparece em uma proposição afirmativa empírica.

    S a P – ou P é totalmente conversível em S ou não é.
    Se for, P é um elemento de definição ou uma propriedade.
    Se não, P ou é um elemento da definição ou não é; se não, é um acidente. (Tópicos 1.8)

    Toda predição é primária e essencialmente de substância primeira (individual).
    Um termo universal só pode ser expresso por termo empírico singular porque ele mesmo pode ser predicado de um indivíduo. (Categorias 2.5)


    Relações extensionais dos 6 predicáveis

    clip_image001[5]

    Definição
    Propriedade

    Coincidência

    clip_image002[5]


    Gênero
    Diferença
    Propriedade

    Inclusão total

    clip_image003[5]

    Acidente

    Inclusão parcial

    Porfírio e os escolásticos também citavam 5 predicáveis (espécie inclusa), mas omitiam a definição. (Tanto espécie quanto definição realmente são idênticas em extensão e intensão, contudo, diz Miriam, a espécie normalmente entendida é o sujeito possível do predicável definição, e normalmente espécie pode predicar apenas um sujeito empírico singular. Espécie como predicado, assim, tem mais em comum com o gênero do que com a definição.)

    Limites da predicação

    Segundo Miriam, os 6 predicáveis não representam uma análise exaustiva da predicação (nem mesmo da necessária), porque:

    1. Um predicado é necessariamente afirmado sobre um sujeito se for uma propriedade ou uma diferença de um gênero remoto, mas não pode ser classificado nem como propriedade nem como diferença daquele sujeito (propriedade ≠ definição)
    2. O indivíduo é membro de uma espécie e pode-se assim predicar dele não só a espécie mas outros predicados necessários que ele tem em virtude de sua espécie.
    3. Os predicáveis classificam somente proposições afirmativas, já que nas negativas o predicado está totalmente excluído do sujeito. (algumas das mais importantes proposições na filosofia são proposições negativas necessárias – “um quadrado não é um círculo”)Explica Miriam: “As categorias são universais metafísicos diretos, chamados termos de primeira intenção porque classificam nossos conceitos do Ser ou da realidade. Os predicáveis são universais lógicos reflexivos, chamados termos de segunda intenção porque são completamente mentais, uma vez que classificam as relações que a mente percebe entre nossos conceitos da realidade”.

     

    Encerramos aqui a quinta parte. Na próxima, o resumo das relações proposicionais.

    segunda-feira, 17 de maio de 2010

    Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte IV

    Termos e seus equivalentes gramaticais: Definição e Divisão
    Palavras – símbolos criados para representar a realidade.
    Termos – conceitos comunicados através de símbolos.
    (“Come to terms” no inglês significa a concordância entre duas partes comunicantes)

    Termo (idéia em trânsito) ≠ Conceito (idéia que representa
                                                               a realidade)
    ens communicationis           ens mentis


    Um conceito é um termo potencial que se atualiza pelo símbolo (palavra).
    Idéias só podem viajar entre as mentes por um meio: símbolo. O termo é um conceito efetivamente comunicado. Somente palavras categoremáticas podem simbolizar um termo lógico. As sincategoremáticas podem ser parte gramatical de um símbolo completo que expresse um termo lógico.
    Palavra – Gramática
    Letra – Ortografia
    Termo – Lógica

    Um termo é sempre unívoco, não ambíguo, porque é um. Porém, o símbolo gramatical que o expressa pode ser ambíguo.

    Palavras em diferentes línguas são normalmente equivalentes na sua dimensão lógica, mas freqüentemente não o são na psicológica. Por isso é tão difícil traduzir poesias. O menos ambíguo de todos os símbolos é uma descrição geral, uma definição.


    Classificação dos termos
    • Termo empírico – designa um indivíduo ou um agregado. Símbolo – nome próprio ou descrição empírica.
    • Termo geral – designa uma essência. Símbolo – nome comum ou descrição geral.

      (Segundo Miriam, “ser capaz desta distinção é da mais alta importância. Para fazê-lo, não se pode depender de códigos gramaticais; é preciso olhar através das palavras até a realidade simbolizada”)
    • Termo contraditório
      • Positivo (expressa o presente na realidade) x negativo (expressa o ausente na realidade). Algumas palavras gramaticalmente negativas simbolizam termos logicamente positivos, como “infinito, “impaciente”, inclemente”.
      • Privativo (restritivo) – negativo que expressa privação. (“manco”, “cego”, “morto”, etc. – uma pedra não pode ser cega)
    • Termo concreto – representa realidades como elas realmente são na ordem do ser. (“animal”, “veloz”)
    • Termo abstrato – representa uma substância ou acidente mentalmente abstraído da realidade concreta e tomado como ente de razão. (“animalidade”, “velocidade”)
    • Termo absoluto – o que pode ser entendido independentemente. (“homem”, “vermelho”)
    • Termo relativo – o que deve ser entendido com referência a outro. (“pais”, “causa”, “amigo”) (sempre correlativos e absolutos em pelo menos uma das 9 categorias – relação, paixão, etc.)
    • Termo coletivo – aplicável apenas a um grupo considerado como unidade. (“exército”, “júri”)
      • Concordância coletiva – singular
      • Concordância distributiva – plural (“o público e seus chapéus”)
    • Termo distributivo – aplicável a um membro de um grupo isoladamente. (“homem” – indivíduo ou espécie)

    Diferenças entre termos

    • Não repugnantes – não necessariamente excludentes entre si.
      • Por categoria (“maçã”, “grande”, “vermelho”)
      • Por gênero (mesma categoria) (“redondo”, “liso”, “azedo”; “pedra”, “árvore”, “animal”)
    • Repugnantes – termos incompatíveis, realidades mutuamente excludentes.
      • Por espécie (mesmo gênero) (“vermelho”, “azul”, “amarelo”; “redondo”, “quadrado”, “triangular”)
      • Por indivíduo (mesma espécie) (“esta mulher”, “minha mãe”; “rio Amazonas”)
      • Contraditórios – não possuem gradações. (“branco” e “não-branco”)
      • Contrários – pares dentro de gêneros ou espécies dentro de gêneros contrários. Possuem gradação. (“branco” e “preto”, “bem” e “mal”)
        (Um termo pode ser geral e abstrato; “minha avó” é um termo empírico, positivo, concreto e relativo)
        (Todo termo tem o seu contraditório. Nem todo termo tem um contrário)


    Extensão dos termos – designação objetiva e extramental. A extensão de “árvore” são todas as árvores.

    Intensão dos termos – significado, soma dos caracteres essenciais. Conjunto das condições necessárias e suficientes para aplicar o termo. Tornar explícita a intensão – o significado – é definir um termo.
    Extensão = imagem mental
    Intensão = conceito intelectual
    Quando um termo cresce em intensão, decresce em extensão.
    Quando um termo cresce em extensão, decresce em intensão.


    A Árvore de Porfírio







































    Definição (análise da intensão) – torna explícita a intensão. É simbolizada por uma descrição geral perfeita.
    • Definição Lógica (análise da intensão) – expressa a essência de uma espécie através do seu gênero próximo e de sua diferença específica. “O homem é animal racional”. O sujeito é sempre uma espécie. Uma definição lógica não pode ser elaborada para cada termo porque alguns termos não possuem gênero próximo, ou porque a diferença específica não é conhecida. Tais termos podem ser esclarecidos por uma descrição geral. Assim, uma definição lógica não pode ser elaborada por um summus genus ou uma infima species. Só a espécie pode ser definida (como espécie de um gênero, e não o contrário). Um summus genus, como a substância ou qualquer outra das categorias, ou um dos predicáveis, não pode ser definido logicamente. (o Ser não é genero das categoras, mas as transcende. Um conceito transcendental é um conceito que não pode ser classificado porque se estende através e além de todas as categorias; são o ente e seus atributos transcendentais: unidade, verdade, bondade, res, aliquid, beleza e o Ser)
    • Definição Distintiva – definição pela propriedade. Espécie é gênero + propriedade. “Homem é um ser suscetível de hilaridade”.
      Propriedade – concomitante necessário da essência e resultante dela (hilaridade é uma conseqüência de sua racionalidade e de sua animalidade).
      Uma definição distintiva por propriedade é normalmente a melhor definição que uma ciência pode alcançar. Na Química, os elementos são definidos por propriedades específicas. Uma espécie tem só uma diferença específica, mas pode ter várias propriedades específicas.
    • Definição Causal – explicita a intensão ao nomear a causa da realidade do termo. Causa eficiente, material, formal ou final.
      “Pneumonia é a doença causada pelo pneumococo.” (causa eficiente)
      “Água é H2O.” (causa material e causa formal) (definição por matéria e forma pode ser chamada de definição genética – fórmulas químicas).
      Definição por causa final = definição intencional.
    • Definição Descritiva – mera enumeração das características que distinguem uma espécie.
    • Definição por exemplo (comparação) – fornece casos particulares ao invés da própria definição. Facilita a abstração alheia. “Um gênio é alguém como Da Vinci”.
    • Definição Gramatical/Retórica/Nominal – busca eliminar ambigüidades, é um acordo entre comunicantes.
      • Etimologia (não muito seguro para significados correntes, embora muito esclarecedor em alguns casos)
      • Sinônimo (contudo, podem diferir tanto na dimensão lógica quanto na psicológica)
      • Definição arbitrária – há palavras muito importantes sobre cujo significado não há consenso. Importantíssimo para se chegar a acordos. (algo que Sócrates-Platão muito exercia) Como ressalta Miriam:“Debatedores em especial devem ao menos concordar quanto ao objeto do debate; caso contrário, argumentarão em vão”.

    Regras da Definição. Ela deve ser:
    1. Conversível em relação ao sujeito, à espécie e ao termo a ser definido. “Um homem é um animal racional” à “um animal racional é um homem”.
    2. Positiva, antes do que negativa. (Uma violação: “um homem bom é aquele que não causa dor ao próximo”).
    3. Clara, simbolizada por palavras não-obscuras, vagas, ambíguas, figurativas.
    4. Livre de derivação da mesma raiz da palavra a ser definida. (Uma violação: “sucesso é ser bem-sucedido num ato” – argumentos circulares)
    5. Simbolizada por uma estrutura gramatical paralela, não misturada. Gerúndia para definir gerúndio, infinitivo para infinitivo, e assim por diante.



    Divisão – ferramenta extramemente valiosa do pensamento. É como caminhar nas pegadas de um Deus, diria Platão no Fedro.
    • Divisão Lógica (análise da extensão de um termo). Gênero à espécies
      O todo lógico (gênero) deve poder ser predicado de cada espécies sua. A divisão lógica nunca lida com indivíduo, mas com grupo e grupos menores. Do contrário, seria enumeração e não divisão.
      Todo lógico – gênero
      Base – aspecto metafísico (ponto de vista)
      Princípio fundamental da divisão e seus membros divisores (espécies resultantes)
      • Conforme o caráter da base
        • Objetos naturais
          • Divisão essencial – espécies naturais (plantas comestíveis –> alface, batata, etc.)
          • Divisão acidental – acidentes que não determinam espécies naturais. (dividir as plantas comestíveis pela cor, formato, etc; homens pela cor, naturalidade, etc. – uma infima species só pode sofrer divisão acidental)
        • Objetos artificiais
          • Divisão essencial – forma imposta pelo homem sobre a matéria (prataria –> facas, garfos, colheres, etc.)
          • Divisão acidental – acidentes que não determinam espécies artificiais. (cadeiras pela cor, tamanho, peso, etc.)
      • Conforme a maneira de aplicar a base ou o princípio da divisão
        • Positiva (científica) – gênero –> espécies constituintes (elementos –> hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, etc. – conhecimento empírico da experiência investigativa)
          Não sabemos quantos elementos a ciência irá distinguir daqui a cem anos. A divisão depende da investigação e não de um princípio da razão.
        • Dicotômica (intelectual) – divisão por termos contraditórios (ouro e não-ouro; vermelho e não-vermelho, etc.). O termo negativo pode conter espécies positivas (não-branco = azul, verde, vermelho, etc.) ou apenas uma (não-par). “O princípio da não-contradição é um axioma do pensamento, uma lei da razão, de maior certeza do que qualquer outra lei da ciência. A dicotomia emprega este princípio.”
          Na lógica (não na ciência), a dicotomia é superior à divisão positiva, porque a dicotomia garante a realização da divisão lógica. Só pela dicotomia chegamos à Árvore de Porfírio.
      • Regras
        1. Apenas uma base (princípio)
        2. Espécies constituintes devem ser mutuamente excludentes (sem overlapping)
        3. Divisão deve ser exaustiva ou completa (espécies = gênero) (para haver um subtópico, é necessário pelo menos existirem dois subtópicos)
    • Divisão Quantitativa singular extenso –> partes quantitativas (as medidas).
    • Divisão Física singular composto –> partes essenciais
      Ser humano –> corpo e alma; corpo –> membros, cabeça, etc.
    • Divisão Virtual/funcionaltodo potencial/funcional à partes virtuais/funcionais
      A alma está em todo o corpo quanto à totalidade da perfeição e da essência, mas não quanto à totalidade da virtude (Summa Theologica) (algumas realidades podem ser pensadas como se tivessem partes, mas verdadeiramente não podem ser divididas, e o grau varia conforme cada parte).
    • Divisão Metafísica substância –> acidente(s)
      É uma distinção, não uma separação; é uma divisão por abstração. Essencial na lógica.
    • Divisão Verbal palavra –> definições léxicas (dicionário)


    Subdivisão e co-divisão (Árvore de Porfírio) – série de divisões independentes, mas do mesmo todo. Cada uma das seis classificações de termos neste capítulo lida com isso.



    Na próxima parte desta série, entraremos nas proposições e seu uso na Lógica.