sábado, 31 de julho de 2010

Pré-socráticos – por Zeller e Copleston, parte I

A próxima série apresentará um resumo didático dos pré-socráticos como expostos em duas importantes obras sobre a história da filosofia:
History of Greek Philosophy – de Eduard Zeller, eminente filólogo e helenista alemão do século XIX.

History of Philosophy
, vol. I – de Frederick Copleston, padre, filósofo neotomista e grande historiador da filosofia no séc. XX.

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Conta Copleston que no século XI a.C. as invasões dóricas assolaram o velho mundo egeu, mas a cultura jônica se manteve firme (Homero era jônico) – e muito felizmente, pois foi dela que acabaram surgindo os primeiros filósofos gregos.

Assimo como Zeller, Copleston também refuta – ainda que não tão ferrenhamente – a idéia de uma filosofia grega com berço no pensamento oriental e/ou egípcio. Segundo ele, a matemática egípcia e a astrologia babilônica somente influenciaram o que mais tarde viria a se transformar em ciência matemática/geométrica e astronomia na Grécia.

Para Zeller, a cultura e o pensamento grego formaram o melhor ambiente para o surgimento da reflexão. Havia um misto de liberdade, prosperidade e diversidade. Circunstâncias políticas, mistura de tribos, troca de poderes, ensinamento político, multiplicação de colônias, movimentos, comércio, trocas, etc. Para Copleston, a ausência de uma classe pregadora dominante (priestly class) foi muito importante para a liberdade em que o pensamento estritamente filosófico florescesse. Citando o próprio Zeller, afirma ele que a conjunção entre a “imparcialidade” dos gregos a respeito do mundo e o seu senso de realidade e poder de abstração permitiram aos mais eminentes reconhecer nas suas idéias religiosas a criação de uma imaginação artística. Some a isso a vontade pelo poder, a inquietude política, os infindáveis conflitos entre pequenas nações n’um espaço diminuto, e temos a manifestação clara dos dois lados da cultura grega: o lado da moderação, da arte, de Apolo e das divindades olímpicas; e o lado do excesso, do frenesi dionísiaco, a vontade de poder de que tanto fala Nietzsche. Essa tensão foi importantíssima na fundamentação do espírito genuinamente filosófico.

De todo modo, a cosmogonia grega (dos jônicos, de Homero, de Hesíodo) nunca sumirá completamente mesmo após o período pré-socrático. Zeller compara as várias versões da criação gregas do universo, evidenciando como elas são parecidas e partem dos mesmos princípios, não importando o autor e/ou doutrina. Na verdade, para ele mesmo as distinções naturalmente gestadas no empreendimento filosófico grego acabaram por ecoar por todo o pensamento ocidental até hoje. O alemão traça um paralelo entre o sensualismo dos estóicos e epicuristas e o empiricismo inglês e francês da modernidade, e o ceticismo da Nova Academia e a filosofia de Hume, e também o que ele identifica como um panteísmo nos eleatas e estóicos ele paraleliza com o panteísmo de Spinoza.

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Zeller discorda da divisão histórica de Hegel para a filosofia grega, devido à sua “desproporção” intrínseca, segundo ele. Para Zeller:
Sócrates –> Ética e Dialética
Platão e Aristóteles –> separação da Física em Metafísica
Sócrates – realidade nos conceitos.
Platão – conceitos à parte da matéria (idealismo)
Aristóteles – conceitos formados com e na matéria (concretismo-realismo)
Há para ele três períodos na filosofia grega:
Dogmatismo físico – de Tales a Sócrates.
Filosofia do conceito – de Sócrates a Aristóteles.
Subjetivismo, idealismo e espiritismo – todos os pós-aristotélicos
Zeller afirma que a filosofia grega no fim sucumbiu à própria contradição do subjetivismo no qual acabou culminando e do qual não pôde se livrar, enredando o pensamento na relatividade do sujeito e na impossibilidade se atingir o absoluto.

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Como afirmara Copleston, Mileto é o berço da filosofia jônica. A curiosidade pelas mudanças e incertezas do mundo (a morte, p. ex.) e a busca pelo permanente por detrás disso tudo é o que movem o espírito filosófico primordial. Os jônicos buscam incessantemente pelo princípio, o elemento primitivo (o urstoff do alemão). De acordo com Copleston, os primeiros filósofos tinham um caráter muito mais de cientistas práticos.

Zeller recusa a divisão jônica e dórica da filosofia pré-socrática, assim como nega a divisão entre idealismo e materialismo antes de Platão. Para ele, todos os pré-socráticos bebiam da mesma fonte naturalista. Copleston endossa esta visão: eram dogmatistas, para eles as coisas são como são, não havia ainda o levantamento do “problema crítico”, como ele chama, o qual surgirá somente com Sócrates.

O espírito do hilozoísmo ainda mantinha seu vigor na mentalidade grega, fazendo enquadrar o universo como uma matéria animada, uma integralidade ativa. Assim, nos pré-socráticos não havia ainda distinções como idéia e matéria. O ponto de partida eram sempre as sensações em si mesmas.

Após a contemplação sobre a realidade, chegavam à conclusão que a substância do mundo seria:
um princípio material – para os jônicos
o número – para os pitagóricos
o Ser – para os eleatas



Na próxima parte, o resumo sobre os jônicos e os pitagóricos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Trivium, as Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica, parte XII

O Ensaio

Segundo Miriam, é de difícil definição, historicamente. De forma geral, é uma obra curta e em prosa que trata um único tópico. Michel Eyquem de Montaigne foi quem primeiro usou a palavra como um termo literário quando da publicação de seus Essais (1650). Essai = tentativa, experiência.

Francis Bacon é o primeiro inglês a usar o termo, em obras com tom mais pessoal.

No século XVII, surgem os periódicos (journals), e no início do séc. XVIII Joseph Addison e Richard Steele escrevem vívidos ensaios sobre hábitos e idiossincracias de seu tempo, publicados na Tatler (1709-1711) e Spectator (1711-1714). O americano Washington Irving escreveu ensaios em estilo similar.

No Romantismo (início do séc. XIX), o ensaio assume um tom mais íntimo e informal (com freqüência, o uso de material autobiográfico + extravagância, perspicácia e sentimento). Charles Lamb, William Hazlitt, James Leigh Hunt e DeQuincey.

Os americanos Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau por sua vez não adotaram o tom extravagante.

Na era vitoriana, o ensaio formal tornou-se mais popular. Thomas Carlyle, John Ruskin, Walter Pater, Thomas Huxley, Matthew Arnold e John Henry Newman.

(de acordo com Miriam, até mesmo a Poética de Aristóteles pode ser considerada um ensaio).

1) Ensaio íntimo
Visa mais agradar do que informar o leitor. Comunicação subjetiva de pensamento e sentimento. Um assunto trivial pode virar algo encantador, fascinante, divertido, mordaz, discutido de maneira casual, informal, conversativa. Apropriado para quem guarda um estilo muito literário.
2) Ensaio formal
Varia conforme tema, propósito, público. Ensaios filosóficos, científicos, religiosos e históricos.



Um breve guia de composição


 escrito expositivo escrito poético
comunicação imediata comunicação mediata

Antes de escrever, pensar com cuidado sobre seu propósito e meios. O que há de comum entre o escritor e seus leitores. Não escrever o banal e o insípido – começar com uma pergunta.
“Descobrir as partes do todo e as relações entre as partes e destas com o todo é o principal meio para avançar no conhecimento; é também uma medida de capacidade intelectual”.
Penetrar, distingüir, contrastar, encontrar as causas todas, delinear sua comparação e determinar quais tópicos são coordenados e quais são subordinados.

Ordenar a ênfase –> maior no final, 2ª maior no início, e a menor no meio.

Comunicar o seu plano logo de saída e manter o leitor ciente por meio de transições claras de um tópico ao próximo.

Clareza – exemplos concretos e analogias para assuntos abstratos. Evitar a monotonia, enriquecer, dar cor.

Variação na dicção, sinônimos, extensão das frases, estrutura gramatical e repetição eficaz de palavras. Ritmo.

Condensar as frases, acumular o máximo de significado em poucas palavras. Usar palavras fortes, precisas, vívidas, específicas.
“Os verbos, acima de tudo, são a chave para um estilo vigoroso”.
Vividez voz ativa. Livrar-se do inútil ou supérfluo.






E assim terminamos nosso grande resumo do Trivium.
Nos próximos dias, pretendemos apresentar alguns excertos importantes da tradição filológica e da história da filosofia sobre os pré-socráticos. Fiquem de olho.