segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O Banquete de Florença – II

LIVRO II
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Cap. 1
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Hora de zarpar para o oceano, diz Dante. Este é um capítulo seminal nos trabalhos do florentino, porque é aqui que ele expõe os famosos quatro níveis de sentido na interpretação de uma obra. São eles:

1) Literal
2) Alegórico
3) Moral
4) Analógico

Sobre a interpretação alegórica, Dante distingue entre a alegoria dos poetas e a alegoria dos teólogos. A alegoria teológica insiste na veracidade, na realidade dos quatro níveis de sentido, sempre se referindo a algum aspecto do Cristo histórico, enquanto os poetas admitem um nível literal que não seja verdadeiro, que seja somente “veritade ascosa sotta bella menzogna”, verdade escondida sob uma bela mentira.

Segundo Dante, o nível literal sempre vem primeiro, porque não se pode passar para o interior de algo sem se passar antes pelo exterior, assim como é impossível atingir a forma sem antes perceber alguma matéria. Aristóteles, na Física, diz que a natureza dispõe o nosso pensamento de forma a preferencialmente nos dirigirmos do mais conhecido para o menos conhecido (fazendo a analogia com as línguas, o latim prima por esta disposição natural em sua sintaxe, exprimindo as coisas na ordem em que elas impressionam o espírito, enquanto o português, por exemplo, segue uma ordem gramatical, artificial, como mostrava Sebastião Albuquerque no excelente Arte de traduzir de latim para portuguez, reduzida a principios (1818)).
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Cap. 3
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Embora não saibamos a natureza das coisas superiores como sabemos das inferiores, o mesmo o conhecimento limitado daquelas nos deleita muito mais (Aristóteles).

Dante cita os erros astronômicos do estagirita, porém lembra que no livro XII da Metafísica ele se desculpava de antemão por seguir “obrigatoriamente” a opinião dos especialistas de sua época.

O florentino aborda o sistema de Ptolomeu, listando as 9 esferas celetes, ou céus móveis, que irão aparecer no Paradiso de Dante:

1ª céu – Lua
2ª céu – Mercúrio
3ª céu – Vênus
4ª céu – Sol
5ª céu – Marte
6ª céu – Júpiter
7ª céu – Saturno
8ª céu – Estrelas

O 9º é o primum mobile, imperceptível aos sentidos, exceto pelo movimento dos outros oito. Exterior a todos esses, os católicos colocam um décimo céu, o céu empíreo, ou “céu das chamas”, ou “céu luminoso”, que seria “imobilidade e paz”, lugar dos espíritos santificados, contendo a si mesmo. É o edifício supremo – não está no espaço, mas formado unicamente na “mente primária” (a protonoe dos gregos).

Cada céu abaixo do décimo possui dois pólos estacionários, que no nono céu são também fixos, imutáveis. Cada céu tem um equador onde se dá o seu mais rápido movimento, por compensação espacial. No equador é onde há mais vida, mais forma, mais virtude, porque se encontra mais próximo do céu imediatamente superior.

Por fim, Dante afirma que esta seqüência de dez céus não chega a compreender todos os que existem, e cita o epiciclo de Vênus, que possui a excentricidade de conter uma esfera dentro de outra esfera.
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Cap. 4
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Quem move essas esferas? As inteligências, ou anjos.

Para Aristóteles, eram de número limitado, enquanto seu mestre Platão adotava a infinitude de formas. Para os pagãos, elas equivalem aos seus deuses.

Dante diz que todos estes falharam em suas percepções. Segundo ele, uma vez que a vida contemplativa é superior à vida ativa, governante, o número de esferas deve necessariamente ser muito maior do que o revelam seus efeitos, porque há muito mais bênção na pura contemplação do que na ação próxima.

Nenhum efeito pode ser maior do que a sua causa; assim, Deus, causa de tudo e de todos os intelectos, está por demais além de nossa percepção em suas ações.
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Cap. 5
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Jesus Cristo é o “ministro” dos anjos. Dante segue a ordem hierárquica angélica estabelecida por Gregório no livro XXXII de seu Moralia:

1ª ordem: Serafins (acima de todos), Querubins, Tronos
2ª ordem: Dominações, Principados, Potestades
3ª ordem: Virtudes, Anjos, Arcanjos

(no Paradiso, Dante adota a ordem de Dionísio Areopagita: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanos e Anjos)

Podemos contemplar a divindade por qualquer uma das hierarquias.

Na 1ª, contemplamos o Pai, na 2ª o Filho e na 3ª o Espírito Santo.
O Serafim percebe mais da primeira causa (Pai) do que qualquer outro anjo.
O Querubim contempla o Pai em relação ao Filho.
As Potestades contemplam Pai em relação ao Espírito Santo.

Algumas das ordens originárias tiveram sua queda para o Inferno.

Segundo Dante, os Anjos são simbolizados pela Lua, os Arcanjos por Mercúrio e os Tronos por Vênus. Como diz o Salmo 18: “Os céus publicam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”.

No capítulo 6, o florentino afirma que os anjos não possuem corpo, e, por isso, não sentem nem usam a linguagem. O ouvir deles é a atividade intelectual.
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Cap. 7
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Devemos notar que as coisas têm que ser chamadas de acordo com a maior nobreza de sua forma (...) assim, quando dizemos que um homem vive, o que se pretende dar a entender é que ele usa a razão

É por isso que o homem que se fundamenta no sensível não vive como um homem, mas vive a vida de “um asno”, como dizia Boécio.

O conflito de Dante: o desejo de compreender a “doçura” da sabedoria é tão imenso que faz a sua alma ter o anseio de morrer, de ir “para lá” e ter a mais doce das contemplações do universo. É por isso que o florentino diz que os olhos da Donna (Filosofia) não devem ser observados por qualquer um que tema as visões de angústia. A contemplação anelada fará tudo parecer extrinsecamente carente de beleza, enquanto, em seu âmago, as coisas se tornarão realmente belas.
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Cap. 8
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Por que o “novo” amor, este, que é efeito da ação das Inteligências (esferas), tem que destruir o amor anterior?

Dante responde que isso é obra dos próprios sujeitos na preservação do amor, assim como a natureza humana transfere a sua própria preservação na forma humana de pai para filho porque não pode preservar seu efeito perpetuamente no pai.

Para Dante, a maior das tolices é acreditar que não há vida apos a morte. Todos os grandes sábios concordam com a imortalidade d’alma. Toda crença, até mesmo a pagã, crê nisso. O homem é o mais perfeito dos animais; se nossa crença natural na outra vida fosse errada, fosse vã, seríamos, pelo contrário, os piores dentre todos os animais; a maior perfeição do homem – a razão – seria, assim, sua maior imperfeição.

Outra prova da imortalidade d’alma para Dante são os nossos sonhos, pois aquilo que é “revelado” neles deve necessariamente ser imortal.

Nossos corpos é que não nos permitem “ver” perfeitamente.

Com a , vemos perfeitamente.

Com a razão, vemos com sombras (mistura mortal/imortal).

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