sábado, 26 de dezembro de 2009

O Banquete de Florença - I

Olá, amigos, peço desculpas pela minha relativa ausência no último mês.
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Felizmente, tenho um belo subterfúgio para me justificar: a esquematização da Revista Filosofia Concreta, além da preparação de outros projetos culturais que vêm por aí em 2010; fiquem atentos.
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De todo modo, prometo voltar a postar mais seguido neste blog, rotina da qual me aproveito para “oxigenar” minhas antigas leituras filosóficas, o que sempre rende lá os seus frutos.
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Com isto, tratemos agora desta nossa caríssima atividade.
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imageApresentaremos nas próximas semanas algumas das tantas pérolas que podem ser encontradas na obra Convivio, de Dante Alighieri (em geral traduzida como “O Banquete”, inspiração platônica). Aproveitar-me-ei do resumo exposto em Dante, livro de W.B. Lewis, de modo a não atalhar a leitura daqueles que ainda desconheçam a obra:

Com o intuito de ilustrar os méritos que reconhecia na canzone como forma poética, Dante propõe, no Convivio, examinar uma série de canzoni escritas por ele próprio ao longo de vários anos, sem deixar de refletir, detidamente, sobre a questão do autor que analisa a própria obra. O Convivio, como o título já indica, é um banquete, uma festa de sabedoria em que todos os homens de boa vontade são convidados a participar – com base na premissa de que Aristóteles está certo quando afirma, no início da Metafísica, que todos os homens, por natureza, aspiram ao conhecimento. Nesse banquete, o cardápio inclui uma seqüência de 14 pratos, 14 canzoni a serem examinadas e digeridas. Na verdade, o autor analisa apenas três, visto que o tratado é interrompido após a conclusão do quarto livro, i.e., após cerca de 250 páginas.

O Convivio foi escrito entre 1306 e 1308. É possível que a primeira parte da obra tenha sido composta em Lucca, logo após a interrupção do De Vulgari Eloquentia. O restante teria sido elaborado “na estrada”, por assim dizer. Essa condição itinerante é visível no texto, ao mesmo tempo o mais abstrato e o mais pessoal escrito por Dante até então. A postura pessoal é, precisamente, a do andarilho infeliz, rezando para ser readmitido ao lar (...) [havia sido expulso de Florença].

Lembramos também que essa obra de Dante, talvez por ele estar experimentando à época um momento de profunda amargura, teve como grande modelo o Consolatione Philosophiae de Boécio, sobre o qual bem tratamos na série anterior de posts. Pretendemos, fica claro, seguir banhando os leitores com o espírito da Filosofia Perene conforme expresso nas mais egrégias obras da tradição ocidental.
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LIVRO I
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Cap. 1
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Como diz “O Filósofo” (Aristóteles, segundo seu cognome na Idade Média): “todo homem por natureza deseja conhecer”, assim como toda coisa se inclina à sua perfeição, porque o conhecimento é a mais alta perfeição d’alma.
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O que impede o conhecimento no homem é:

o corpo, por sua imperfeição sensitiva;
a alma, por sua corrupção, malícia, vício;
a necessidade, por suas responsabilidades civis e/ou domésticas,
e a indolência, por prostrar o homem em uma localização desprivilegiada, longe das fontes de conhecimento, etc.

Segundo Dante, o primeiro e o terceiro impedimentos (corpo e necessidade) são perdoáveis enquanto tais.
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Se há uma grande compaixão n’alma do intelectual, ela se expressa, diz o florentino, na generosidade em transmitir o conhecimento aos que forem intelectualmente “desfavorecidos” pelas razões acima elencadas.
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Explicando o título de sua obra, Dante traça uma analogia entre “carne” e poesia, “pão” e seus comentários, porque igualmente vivaz e prazerosamente repartidos entre os amigos à mesa. Aproveita ele para lembrar que, ao modo da anterior La Vita Nuova, o Convivio também se caracteriza pelo prosimetrum, a composição que adota junto aos versos a prosa para que possa bem digeri-los e igualmente apresentar suas perspectivas sobre as coisas.
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Cap. 4
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Tendo, entre outras queixas, lamentado nos cap. 2 e 3 a má fama que adquirira em suas viagens pela Itália, Dante se põe a explicar o porquê da “presença” (física) de um homem sempre diminuir a estima que outrora gozava entre as pessoas. Lista ele três razões possíveis para a redução da estima: imaturidade mental e inveja, ambas causadas pela imperfeição do julgador, e a imperfeição real do próprio julgado.
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Muito lamenta Dante que os homens em geral só entendam as coisas pelo seu exterior:

A maioria dos homens vive de acordo com os sentidos e não de acordo com a razão – como crianças.

A inveja provém da incapacidade de pessoas más em suportar serem iguais a pessoas de superior excelência.

(...) elas vêem partes do corpo e capacidades muito parecidas às delas e temem.

Agostinho dizia que não há ninguém perfeito neste mundo. A “presença” de que fala Dante acaba revelando imperfeições que maculam o “brilhantismo” da pessoa famosa; por esta razão são os profetas menos louvados em suas terras. Assim, Dante defende que o homem restrinja sua privacidade, que dê limite à sua presença pública.
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Sem jamais esquecer, é claro, que a “presença” também pode diminuir os traços de infâmia.
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Dante lamenta que sua grande fama na Itália tenha se tornado ordinária – e, devido a isso, tentará recuperá-la adotando nesta obra, segundo ele, um estilo mais “eminente”.
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Cap. 13
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Arrematando os oito capítulos anteriores onde havia buscado justificar a utilização da língua italiana em detrimento do latim no Convivio, Dante afirma que o homem possui duas perfeições:

Primária – causa sua existência

Secundária – causa sua bondade

Não é impossível, diz Aristóteles no livro II da Física, que uma coisa possua diferentes causas eficientes, contudo uma deve ser a principal (o fogo e o martelo causam a faca, embora seja o ferreiro a sua principal causa).
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Ora, ressalta Dante, pois foi justo o vernáculo italiano que aproximou os seus pais para que o pudessem conceber. Foi o vernacular que colocou Dante no caminho do conhecimento, pelo qual chegou finalmente ao latim e às ciências. Deve o florentino no mínimo honrar esta língua, assim o julga.
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Todas as coisas por natureza buscam sua própria preservação; com o vernacular não é diferente. Dante estabeleceu com o italiano uma amizade e uma harmonia que se encontram claramente expressas na métrica e na rima das canzoni aqui dispostas. Autor e língua, assim, acabam por dividir o mesmo propósito, o mesmo fim. Que bela declaração de amor por uma língua! Quem sabe, uma vez dotados desse espírito, não cometêssemos assim tantos estupros contra nosso injustamente vilipendiado Português!
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Na semana que vem, seguiremos postando mais algumas pérolas do Convivio de Dante. Aguardem.

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