domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Banquete de Florença - IV

LIVRO III
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Cap. 3
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Todas as coisas amam algo – os corpos amam naturalmente os loci que lhes são próprios no universo, assim como as plantas e os animais amam seus habitats e regiões propícias.

Todos, portanto, são naturalmente mais fortes no local onde foram gerados e na época de sua geração do que em qualquer outra.

O amor possui gradação. O mais nobre, o mais honorável tipo de amor é o intelectual.

Neste, há um aspecto inefável, ou, como diz Dante, “em que a língua não pode seguir completamente o que o intelecto percebe.”
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Cap. 4
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Segundo Dante, não devemos culpar um elogiar um homem por um aspecto que não se encontra sob seu poder (cita o comentário de Aquino à ética de Aristóteles).

Assim, não podemos nem culpar um homem por sua fealdade, nem louvar outro homem por sua beleza. Os que devotam suas vidas a adornar o corpo, ao invés de aperfeiçoar o caráter, adornam a obra de Deus e negligenciam a sua própria.

Voltando à coda do capítulo anterior, o florentino afirma que, do mesmo modo, não devemos nos culpar pela inefabilidade de determinados conceitos, pois

a nosso engenho é posto um limite, mesmo a cada ato seu, não por nós, mas pela natureza universal. Por isso se deve saber que mais amplos são os limites da arte de pensar do que a de falar, e mais amplos aqueles de falar do que de representar.

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Cap. 6
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Para Dante, a maior perfeição do reino humano é a Filosofia, aquela do qual diz o verso “Ogni Intelletto di là su la mira” (todo intelecto de lá de cima a olha).

Cumpre ressaltar que cada coisa deseja sobretudo sua perfeição e nela se abranda seu desejo e por ela todas as coisas são desejadas. Esse é aquele desejo que sempre deixa a impressão que falta a todo prazer, porque nenhum prazer é tão grande nesta vida que possa tirar a sede de nossa alma, que o desejo como tal não permaneça sempre no pensamento. Uma vez que essa é verdadeiramente aquela perfeição, por isso digo que aquelas pessoas aqui gozam de maior prazer quando mais estão em paz, permanecendo então esta em seus pensamentos, porque está é tão perfeita quanto sumamente pode ser a essência humana.

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Cap. 8
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Onde a alma mais externaliza o seu trabalho no homem: no rosto, principalmente pelos olhos e boca, que são as “sacadas onde a Dama se revela”. Das doze emoções mencionadas por Aristóteles, Dante cita seis que se externam pelos olhos: graça, zelo, misericórdia, inveja, amor e vergonha (isso explica porque Édipo removeu seus olhos).

A alma mostra-se na boca quase como cor pelo vidro. E que é rir, senão um relâmpago da alegria da alma, ou seja, uma luz que aparece externamente, refletindo o que vai por dentro?

Assim, para mostrar-se moderado em regozijos, deve-se rir com moderação.

Segundo Dante, há no homem dois tipos de vício:

Natural (a cólera, p. ex.)

De hábito (a intemperança, a gula, etc.)

Para ele, é mais louvável o homem que governa sua má natureza contra o impulso natural do que o homem de boa natureza que apenas mantém sua boa conduta.

Assim como é mais louvável controlar um mau cavalo do que o cavalo dócil.

A Filosofia tem o poder de, por sua beleza, destruir os vícios naturais. A Dama é miraculosa, auxilia a nossa fé.
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Cap. 11
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Antes de Pitágoras, não se chamavam filósofos os que buscavam conhecimento, mas de sábios, como os Sete sábios da antiguidade (Sólon, Quílon, Periandro, Cleóbulo, Líndio, Biante e Prieneu). Quando perguntado se considerava a si mesmo um sábio, Pitágoras respondia que não era um sábio, mas um amante da sabedoria. O cunho de filósofo vem, assim, do amor de boa vontade e intencional dedicação. Assim como a amizade baseada no prazer ou utilidade não é amizade, a filosofia baseada na utilidade também não é filosofia.

“Eu amo aqueles que me amam”, diz a Sabedoria nos Provérbios de Salomão (8:17).

Causa eficiente do amor verdadeiro – virtude

Causa eficiente da filosofia – verdade

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Cap. 12
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A Filosofia existe quando a alma e a sabedoria tornaram-se tão amigas que cada uma é totalmente amada pela outra.

Para o florentino, nada no universo percebido pelos sentidos é mais digno de ser feito o símbolo de Deus do que o Sol, que ilumina a si mesmo e a todos os astros. E, assim como o Sol dá vida mas não é responsável pela ruína, Deus cria a natureza mas não intenciona a existência do mal.

Pois a natureza não seria louvável se, sabendo que algumas flores de algumas árvores seriam destinadas a perecer, não permitisse produzir flores, e se por conta das flores estéreis abandonasse a produção das frutíferas.

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Cap. 15
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O desejo intelectual é o mais elevado, o mais perfeito dos nossos desejos. Todas as outras atividades no homem existem em razão do desejo intelectual, que existe por sua própria razão.

“Porque é desgraçado o que rejeita a sabedoria e a instrução”, Sabedoria, 3:11

“Porque ela é o clarão da luz eterna / e o espelho sem mácula da majestade de Deus, e a imagem da sua bondade”, Sabedoria, 7:26

Há coisas que nos deslumbram, que nos abalam, coisas que são sabidas existirem, mas que não podemos compreender, só nos aproximarmos – através da negação. (provável referência à via negativa cristã)

Então como pode o homem ser feliz se o seu desejo não é saciado? Explica Dante que o desejo natural em tudo é proporcional à capacidade de cada um que deseja – do contrário, o desejo iria contra si mesmo, pois desejaria a sua imperfeição. Além disso, o desejo é proporcional porque precisa necessariamente ter um fim específico.

Por isso os santos não invejam um ao outro, pois cada um atinge o fim de seu desejo, que é proporcional à natureza de sua bondade.

Nossa felicidade secundária é a vida moral, que deriva da beleza da Dama Filosofia.

Acrescento que, ao olhá-la – refiro-me à sabedoria – nessa parte, todo viciado se tornará correto e bom. Por isso digo também: Esta é aquela que humilha todo o perverso, ou seja, corrige com doçura aquele que abandonou o caminho correto.

Porque a Sabedoria é mãe de todos os princípios, com ela é que Deus começou o mundo, como Salomão a personifica nos Provérbios, 8:27-30: “Quando ele preparava os céus, aí estava eu, quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; Quando firmava as nuvens acima, quando fortificava as fontes do abismo, Quando fixava ao mar o seu termo, para que as águas não traspassassem o seu mando, quando compunha os fundamentos da terra. Então eu estava com ele, e era seu arquiteto; era cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo”.

Dante, por fim, clama:

Ó pior que mortos, que fugis da amizade dela, abri vossos olhos e olhai, porque antes que fôsseis, ela vos amava, preparando e estabelecendo vosso processo e, depois que fostes criados, para vos conduzir, veio a vós à vossa semelhança. Se todos não puderdes chegar à sua presença, honrai-a em seus amigos e segui os mandamentos deles como aqueles que anunciam a vontade desta imperatriz eterna – não fecheis os ouvidos a Salomão(...)

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