sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Banquete de Florença - V

Eis o post derradeiro da série sobre o Convivio de Dante Alighieri. Peço perdão pela recente delonga entre as postagens, logo recuperararei o melhor ritmo.
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LIVRO IV
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Cap. 7
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Erguendo-se mais uma vez contra ceticismos e hedonismos, Dante lembra a asserção aristotélica de que a vida animal é pautada pela sensação, enquanto a do homem é – ou deveria ser – pela razão.

Se, portanto, o viver é o ser do homem (e o ser do homem é usar a razão), cessar de raciocinar equivale a cessar de viver, e assim é estar morto. E não se afasta do uso de raciocinar quem não pensa na finalidade de sua vida? Não se afasta da razão quem não pensa no caminho que deve seguir? Certamente que sim.

O homem que baliza-se apenas no instinto é como a pessoa que, perdida, vê pegadas à sua frente, mas não as segue. Como diz o Provérbio 5:23: “Ele morrerá pela falta de disciplina; e pelo excesso da sua loucura andará errado.”

Sobreviverá como animal, mas estará morto como homem.
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Cap. 8

O mais belo ramo que brota da raiz da razão é a discriminação porque, como diz Tomás [de Aquino] ao escrever no prólogo da Ética “conhecer a relação entre uma coisa e outra é o ato próprio da razão”.

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Cap. 12
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Dante afirma que a riqueza em geral nos engana, porque promete uma coisa e traz o seu oposto, e essa promessa jamais cumprida só leva à cobiça e à avareza.

Como exclamava Boécio na então popular Consolação da Filosofia (que, como já vimos, foi uma das maiores influências sobre Dante para este Convivio):

Ai! Quem foi aquele que os pesos do ouro escondido e as pedras que queriam se ocultar, aqueles preciosos perigos, por primeiro desenterrou?

A riqueza promete a saciedade e traz a sede intolerável; ora, não é isso o que os néscios dizem a respeito do conhecimento? Mas o conhecimento não é feito de imperfeição, diz Dante. O desejo pelo conhecimento é sintoma da busca da alma pelo retorno à sua causa primeira – Deus. A alma age como o peregrino n’uma estrada desconhecida, que ao avistar uma casa imagina ser uma hospedagem, mas que logo descobre não ser, e assim continua a caminhar, resoluto, de casa em casa, até encontrar um lugar para dormir. (Esse topos medieval do peregrino reaparecerá logo na abertura da Divina Comédia; está presente também nos Canterbury Tales de Chaucer)

Um sábio viajante atinge seu lugar e descansa; o errante não o alcança jamais, mas com extrema fadiga de seu ânimo continua sempre a dirigir seus olhos adiante, ansiosos.

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Cap. 13
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O desejo intelectual nem sempre é um, porque é também um progresso, um aperfeiçoamento ordenativo e passo a passo. Por exemplo, no momento que conheço um princípio, ele está pronto e realizado, e se distingue do querer saber a sua atuação concreta na natureza, que exigirá uma outra assimilação intelectual.

Pelo conhecimento, o homem é levado às coisas mais altas o máximo que pode, e por isso que se deve contemplar um fim não só pela parte do homem que deseja conhecimento, mas também pela parte do objeto de conhecimento que é desejado. É o que diz Paulo (Rom 12:3): “digo a cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”.

A perfeição do conhecimento não é perdida pelo desejo que dela se tem, enquanto que com a riqueza isso acontece. Para Dante, a posse de riqueza é danosa porque:

1) Causa o medo de perdê-la. Por isso diz Boécio na Consolação “se um viajante andasse pela estrada de mãos vazias, diante dos ladrões haveria de cantar”.

2) Termina com a virtude da generosidade.

Assim, nenhum sábio deve amar a riqueza, exceto utilizá-la quando necessário. Como bem compara o florentino, a linha reta e a sinuosa podem até se tocar em alguns pontos, mas nunca se juntar. A riqueza material não deve jamais ameaçar a verdadeira riqueza, a riqueza d’alma.
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Cap. 15
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As três enfermidades da mente humana, segundo Dante:

1) Arrogância. “Observaste um homem precipitado no falar? Maior esperança há para um tolo do que para ele.” Provérbios 29:20

2) Pusilanimidade. Incompetentes na compreensão dos assuntos elevados, nunca buscam o conhecimento.

3) Leviandade. Concluem antes de fazer o silogismo; são os famosos palpiteiros. Aristóteles diz que não se deve dar atenção a estes, nem com eles ter relacionamento.

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Cap. 16
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Todo rei deveria amar a verdade acima de tudo.

“Mas o rei se regozijará em Deus; todo o que por ele jura se gloriará, porque será tapada a boca aos que falam a mentira.” Salmo 63:11

“Ai de ti, ó terra, quando o teu rei é criança” Eclesiastes, 10:16

A nobreza reside onde reside a virtude, a nobreza aponta para a perfeição da coisa.

De acordo com Dante, confundir nobreza com reconhecimento social é ridículo, ou “o topo da cúpula de São Pedro seria a pedra mais nobre do mundo”.

O melhor meio de definir o que seja a nobreza no homem é buscando em seus efeitos, ou, como afirma o Cristo, pelos frutos, pelas suas virtudes morais e intelectuais em ação.
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Cap. 19
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Onde há virtude, há nobreza, mas nem sempre onde há nobreza há virtude, sentencia Dante.

A nobreza dos anjos é a mais divina, mas a nobreza humana é a mais plural, de mais frutos.
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Cap. 20
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Ninguém é nobre por “raça”, por herança. Homens que afirmam de peito estufado que são de tal e tal linhagem se sentem qual deuses, herdeiros de uma graça, sem mácula de vício. Mas, ressalva Dante, isso somente Deus pode conceder, Ele é que não faz acepção de pessoas (Rom 2:11). A graça recai sobre indivíduos, não sobre raças.
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Termina aqui a exposição das passagens mais interessantes do Convivio.
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No próximo post, começaremos uma longa série com o resumo detalhado do Trivium – As artes liberais da lógica, gramática e retórica, da irmã Miriam Joseph.

Até mais.

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