domingo, 6 de dezembro de 2009

Consolação da Filosofia, por Boécio - IV

A natureza

O Criador deu um nome a todas as criaturas e depois o dividiu em quatro elementos: terra, água, ar e fogo, cada um com seu local e distinção, embora ligados em “laços de paz”.

Pela sua ordem, o mais inferior é a Terra, fria e seca, depois a Água, fria e úmida; o Ar, por sua vez, se distingue por ser ou frio, ou úmido, ou quente, já que foi criado entre a Terra e o Fogo; o Fogo é o mais elevado; acima de todos, embora misturado com todos (grande semelhança com o nous de Anaxágoras). Todos são fundamentais na natureza, estão em tudo.

“Não há menos d’alma no dedo mínimo do que no corpo inteiro”.

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A alma

A alma é tripartite (Platão), dividida em desejo e paixão, comuns entre homens e animais, e razão, virtude especial ao homem, que deve controlar as outras.

“[A alma] quando pensa no seu Criador, está acima de sí própria; quando reflete sobre si mesma está em si própria; e está abaixo de si própria quando ama essas coisas mundanas e as admira”.

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O bem

Toda forma de bem vem de Deus e retorna a Ele. Deus é o bem perfeito, ao qual não falta desejo algum. Nenhum homem recebe o prazer pela coisa em si, mas pelo bem que ele ganha através delas. Todo desejo emana do sumo Bem.

“Não consegues entender que se nada fosse completo, então nada estaria faltando, e que se nada estivesse faltando, nada estaria completo? (...) É assaz evidente que o bem perfeito existiu antes do bem imperfeito”.

A bondade de Deus não pode ser extrínseca, vir de fora, porque, do contrário, a origem da bondade seria melhor do que Ele. Ademais, a perfeição é a unidade, a unidade é a perfeição (qualquer coisa distinta de Deus que não estivesse nele o tornaria imperfeito). Assim, não há nada melhor do que Deus (e por isso o argumento de Anselmo é tão fabuloso).

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A suma felicidade

Em um diálogo bem platônico, a Mente deseja entender melhor o que é a suma felicidade.

Diz a Filosofia: todo o ser criado deseja a eternidade, tenha ele alma ou não, mesmo as plantas (o ciclo de morte das plantas e de suas sementes gerando novas plantas é uma amostra desse “ímpeto de continuidade”. Boécio entende, e cita a geração de proles entre os animais).

Desejando-se a vida eterna, deseja-se a única coisa que vive para sempre: Deus. Não se pode buscar nada acima dele, porque não pode haver.

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Da verdade

Um grão da verdade está sempre presente em nossas almas. Ele deve ser despertado com o questionamento e com o ensinamento, para poder crescer.

Segundo a Filosofia, Platão disse: “quem quer que não se lembre da bondade, deve se virar para sua memória, então lá encontrará a bondade, escondida entre a preguiça do corpo e as distrações e aflições da Mente”

A Filosofia lembra a Boécio que ele era mais confiante nos desígnios de Deus. Boécio admite a sua tolice: “Nenhum homem deseja resistir à vontade de seu criador, exceto os homens tolos ou os anjos rebeldes.”

Nada pode ir contra a vontade do todo-poderoso, embora alguns desejem. A Babilônia, na ambição de querer saber o que havia no Céu, foi atingida por Deus e teve a língua de seu povo dividida.

Não importa a quantidade de parábolas e exemplos, sempre a mente irá em busca daquilo que buscamos, que é Deus. Estes instrumentos não têm uso por si mesmos. Platão já avisava da importância das parábolas serem adaptadas às conjunturas de cada povo ao qual se deseja explicar a natureza das coisas. Na Grécia, a história de Orfeu e Euridice, p. ex., ensina aos homens que fogem da escuridão do inferno e vão em direção à luz da verdadeira bondade a nunca olharem para trás para seus antigos pecados, de modo a nunca retornar a eles.

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O mal no mundo

A infelicidade ainda persiste sobre Boécio, porque ele não consegue compreender a razão de Deus, todo bondade e poder, permitir que o mal exista no mundo. Homens maus têm poder e honrarias, e aos homens sábios e bons só resta o sofrimento.

A Filosofia responde que o Bem sempre tem poder, o Mal não, porque todas as criaturas desejam o bem, e os bons o desejam de forma correta, enquanto os maus buscam-no pelos caminhos errados. (como dois homens correndo em direção ao mesmo destino, só que o mau indo por estradas tortuosas e escuras).

Todo homem que deseja ser virtuoso deseja ser sábio. O bom é feliz, o feliz é abençoado.

Que um homem possa fazer o mal não é um poder, mas uma fraqueza”.

Nenhuma bondade passa sem recompensa, que é dada pela própria bondade. O mal, pelo contrário, só passa por punições.

Ao homem corrompido resta a bestialidade, porque a essência do homem verdadeiro é a unidade de corpo e alma. A um homem ambicioso e usurpador, não chame de homem, mas de lobo; ao furioso e rebelde, chame de cão de caça; ao falso e engenhoso, de raposa, e o que é selvagem e colérico, chame-o de leão.

Boécio segue lamentando, triste pelo mal ser tão mais praticado.

A Filosofia explica que, mesmo que fossem imortais, os maus sempre seriam miseráveis e infelizes.

“Que sua maldade passe impune nesta vida é o sinal mais claro do maior pecado neste mundo, e um penhor da mais terrível penalidade que estará por vir”.

Piores são aqueles que afirmam que os mais sábios nada podem ver do além, como eles. É como se as crianças se criassem todas perfeitas, mas, ao se tornarem adultas, algumas se corrompessem e afirmassem que todas ainda são igualmente perfeitas, ou igualmente corrompidas.

Ecoando Platão, diz ela que os homens punidos são mais felizes do que os que punem, porque os que praticam o mal são mais desgraçados do que os que o sofrem. Por outro lado, punir os maus é melhor do que melhorar a situação das suas vítimas, pois que a doença daqueles é mais profunda.

Deve o justo aplacar a raiva, amando os homens e odiando os seus pecados.

Mas o teimoso Boécio diz ainda não conseguir entender o triunfo do mal no mundo de Deus.

E então a Filosofia responde com um canto que lista diversas dúvidas que a mente dos homens tem em relação aos fenômenos do Universo (os diferentes trajetos das estrelas, o Sol que parece mergulhar no mar, etc.) Mas Deus, quando investigado, assim como o seu mundo natural, revela a Verdade.

Admite a Filosofia que o questionamento de Boécio é espinhoso, um dos grandes temas da Filosofia. Poucos pensadores chegaram a uma conclusão satisfatória.

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