terça-feira, 8 de setembro de 2009

O argumento ontológico de Santo Anselmo - parte I

Excertos fundamentais do Proslógio que fundamentam o histórico argumento ontológico de Santo Anselmo, seguidos por um resumo da objeção do Monge Gaunilon e da conseqüente tréplica anselmiana:


Capítulo II
Que Deus existe verdadeiramente

Então, ó Senhor, tu que nos concedeste a razão em defesa da fé, faze com que eu conheça, até quanto me é possível, que tu existes assim como acreditamos, e que és aquilo que acreditamos. Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe”? [Sl 13,1] Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e o compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. Na verdade, ter a idéia de um objeto qualquer na inteligência, e compreender que existe realmente, são coisas distintas. Um pintor, por exemplo, ao imaginar a obra que vai fazer, sem dúvida, a possui em sua inteligência; porém, nada compreende da existência real da mesma, porque ainda não a executou. Quando, ao contrário, a tiver pintado, não a possuirá apenas na mente, mas também lhe compreenderá a existência, porque já a executou. O insipiente há de convir igualmente que existe na sua inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, porque ouve e compreende essa frase; e tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência.

Mas “o ser do qual não é possível pensar nada maior” não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior.

Se, portanto, “o ser do qual não é possível pensar nada maior” existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia o ser do qual é possível, ao contrário, pensar algo maior: o que, certamente, é absurdo.

Logo, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade.


Capítulo III
Que não é possível pensar que Deus não existe

O que acabamos de dizer é tão verdadeiro que nem é possível sequer pensar que Deus não existe.

Com efeito, pode-se pensar na existência de um ser que não admite ser pensado como não existente. Ora, aquilo que não pode ser pensado como não existente, sem dúvida, é maior que aquilo que pode ser pensado como não existente. Por isso, “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, se se admitisse ser pensado como não existente, ele mesmo, que é “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, não seria “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, o que é ilógico.

Existe, portanto, verdadeiramente “o ser do qual não é possível pensar nada maior”; e existe de tal forma, que nem sequer é admitido pensá-lo como não existente. E esse ser, ó Senhor, nosso Deus, és tu.

Assim, tu existes, ó Senhor, meu Deus, e de tal forma existes que nem é possível pensar-te não existente. E com razão. Se a mente humana conseguisse conceber algo maior que tu, a criatura elevar-se-ia acima do Criador e formularia um juízo acerca do Criador. Coisa extremamente absurda.

E, enquanto tudo, excluindo a ti, pode ser pensado como não existente, tu és o único, ao contrário, que existes realmente, entre todas as coisas, e em sumo grau. Então, por que o insipiente disse em seu coração: “Não existe Deus”, quando é tão evidente, à razão humana, que tu existes com maior certeza que todas as coisas? Justamente porque ele é insensato e carente de raciocínio.


Capítulo IV
Que o insipiente disse em seu coração aquilo que é impossível pensar

Mas como o insipiente pôde dizer, em seu coração, aquilo que nem sequer é possível pensar? Ou como pôde pensar aquilo em seu coração, quando “dizer no coração” nada mais é do que pensar? Se, verdadeiramente, ele disse isso em seu coração, na verdade, também, o pensou. Mas, na verdade, ele não disse isso em seu coração, porque, justamente, não podia pensá-lo.

Com efeito, pode-se pensar, ou dizer no coração, uma coisa de duas maneiras: pensando na palavra que expressa a coisa, ou compreendendo a própria coisa. No primeiro sentido, é possível pensar que Deus não existe; no segundo, não. Quem, por exemplo, compreende o que são a água e o fogo, sem dúvida, não pode pensar que os dois elementos sejam realmente a mesma coisa. Entretanto, se pensar apenas nas palavras água e fogo, pode imaginar as duas coisas como idênticas. Assim, quem compreende o que Deus é, certamente, não pode pensar que ele não existe, mas o poderia, se repetisse na mente apenas a palavra Deus, sem atribuir-lhe nenhum significado, ou significando coisa completamente diferente.

Deus, porém, é “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, e quem compreende bem isso sem dúvida compreende, também, que Deus é um ser que não pode encontrar-se no pensamento. Quem, portanto, compreende que Deus é assim, não consegue sequer imaginar que ele não exista.

Obrigado, meu Deus. Agradeço-te, meu Deus, por ter-me permitido ver, iluminado por ti, com a luz da razão, aquilo em que, antes, acreditava pelo dom da fé que me deste. Assim, agora, encontro-me na condição em que, ainda que não quisesse crer na tua existência, seria obrigado a admitir racionalmente que tu existes.


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OBJEÇÕES DO MONGE GAUNILON

1) A inteligência pode conter idéias duvidosas e até falsas em conceito (embora compreendidas ao serem referidas - objetos, etc.)

2) A inteligência só pode compreender/realizar/imaginar um conteúdo com que tenha contato perceptivo/cognitivo

3) É previamente necessário que eu tenha certeza de que este Ser Supremo exista. Neste caso, estará para mim fora de dúvida que subsiste em si mesmo.

4) A existência depende da prova real; não pode estar só no espírito (todos os entes que conhecemos possuem um referencial empírico)

5) O argumento da Ilha Perdida: O argumento de Gaunilo supunha a existência de uma ilha perfeita a partir de seu conceito, pois uma ilha perfeita que só existe na imaginação não é tão boa como uma que exista na realidade, pois esta existiria no pensamento e na realidade. Logo, qualquer ilha que exista na realidade seria melhor do que aquela que existe somente no pensamento. Portanto esta ilha perfeita existe, pois de outra maneira estaríamos nos contradizendo. Esta ilha segundo o argumento de Gaunilo nunca foi encontrada, mas temos que dizer que ela existe e, portanto está perdida, mesmo se fosse percorrido todo espaço do planeta e ela não fosse encontrada.


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A TRÉPLICA DE SANTO ANSELMO

1) Se o pensamento pode admitir a existência de Deus - ou de qualquer coisa - Ele existe necessariamente.

2) Se existe e não existe ao mesmo tempo o Ser acima do qual não se pode imaginar uma coisa mais perfeita, é, pois, falso que não haja algo de real acima do qual não se pode conceber nada.

3) Todo objeto é passível de ser pensado como não existente, pois a existência e o tempo não são integrais e onipresentes (exceto Deus).
"Mas o ser acima do qual nada se pode imaginar, se existe, não pode ser concebido como não existente; se fosse de outro modo, não seria tal que nada se pode conceber acima dele, o que é contraditório."

Não se pode, assim, negar a existência do ser que existe em todas as partes.

"Tudo o que pode ser pensado não existir, se existe, não é aquilo acima do qual nada se pode pensar de maior".

4) A própria partícula "nada maior pode se conceber" implica a percepção de um ser maior que aquele que supõe este objeto de seu pensamento poderia muito bem não existir. O mesmo objeto não pode ao mesmo tempo ser pensado como existente e não pensado.

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